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Nina Horta

Uma tradição de Hong Kong

O que é poonchoi? É uma refeição em que não há necessidade de mesa, nem de cadeiras, nem de pratos

NEM GOSTO muito de histórias de comida, sempre acho tudo muito, muito antigo, meio mentira, mas, vamos lá. Estamos na fase chinesa, leitores, lembrem-se.

Nos Novos Territórios de Hong Kong, principalmente nos rurais, há grupos que comem da mesma comida, uma tradição própria de que se orgulham. Uma delas é servir o poonchoi para celebrar casamentos, nascimentos, festas religiosas. E o que é o poonchoi? Uma refeição em que não há necessidade de mesa, nem de cadeiras, nem de pratos. As pessoas ficam de cócoras à volta de uma bacia de comida posta no chão e comem ali mesmo com seus hashis.

O ritual é o seguinte. Uma pessoa nomeada faz as compras, contrata ajudantes e cozinha. Compra barriga de porco, feijão, lulas e enguias secas. Comida de todo dia, fácil de achar e barata. Tempera bem e depois de cozinhar cada ingrediente coloca em recipientes diferentes.

Só na horinha de comer é que a comida é posta em camadas nas bacias. As mais baratas no fundo e as mais caras por cima. Imediatamente são mandadas para os grupos de oito a dez pessoas acompanhadas por arroz cozido no vapor.

Os convidados começam a comer, procurando as coisas de que mais gostam. Os convidados, tradicionalmente, eram homens de mais de 61 anos, para reforçar a ideia da maior importância masculina e da marginalidade das mulheres.

Depois de 1980, deu-se permissão a quem quisesse se reunir em torno da bacia -a reinvenção da tradição numa sociedade em mudança.

Interessante que não juntam à comida carne bovina, por gratidão aos bois que ajudam nas plantações, e nem pato, por terem bicos chatos dando impressão de tristeza, e nada de tristeza numa ocasião alegre.

Mas o poonchi, comida de roça, foi se transformando e ficou muito popular principalmente depois de 1980, quando apareceu em filme de um ator famoso. O filme abriu o apetite do pessoal da cidade que queria comer a comida rural. Daí para aparecerem restaurantes e bufês de poonchoi foi um passo.

E o poonchoi foi mudando de cara. Leva abalone seco, cogumelos secos, barbatanas de tubarão, "bêche de mer", que são importados de lugares como Austrália, Viet-nã, Coreia, México, Chile. Os ingredientes não são mais locais ou baratos. É uma receita global, com coisas exóticas, no melhor estilo fusion, satisfazendo os desejos do cliente e representando mudança, adaptação e inclusão. É a metrópole civilizada, a representação de uma sociedade evoluída. Comercializou-se, perdeu o caráter étnico. E daí?

O poonchoi absorve num só prato (bacia) vários ingredientes, baratos ou caros. Tem gosto de exótico e de familiar. Comer de uma mesma panela permite que os amigos e membros da família reafirmem seus laços íntimos e sociais.

Hong Kong fabricou para si própria uma tradição nova no contexto urbano. E aqui? Uma galinhada mineira, por exemplo? Não é de bacia, mas arroz, galinha, quiabo, angu, bem que poderiam e podem estar no mesmo prato comido pela mesma tribo, não? E quem quiser interpretar, que fique à vontade.

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