Índice geral Comida
Comida
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Perfil Maria Barbosa Maia, 80

Senhora tartaruga

Há quase 60 anos dona Maria aprendeu a fazer 19 pratos com tartaruga; na semana passada, preparou quatro deles para dar clima especial ao bate-papo sobre a sua vida e suas receitas

LUIZA FECAROTTA
ENVIADA ESPECIAL A XAPURI (ACRE)

Não vi o olhar de dona Maria. Por toda a tarde -e soube que até quando cai a noite, não importa- ela permanece, intocável, com aqueles óculos escuros que lhe cobrem boa parte do rosto. Fez uma operação de catarata recentemente, pelo governo.
Conheci Maria Barbosa Maia, 80, na fazenda Três Meninas, em Xapuri, a duas horas de carro a partir de Rio Branco, no Acre, onde há criação de tartarugas.
Dona Maria é famosa pelos 19 pratos que prepara com o animal, "cada qual com um sabor". E qual é seu prato preferido, dona Maria? "Do meu gosto? É a buchada!" E como se faz? "Do bucho", reponde.
Contou que o bucho descansa por 12 horas numa mistura de sal grosso e limão, porque isso "tira toda a fortidão", bate a carne do lombo da tartaruga com temperos -pimenta doce, alho, cebola. "Menos tomate e pimentão, que azedam a comida de repente". Enche o bucho e coloca no fogo "bem baixinho".
Dona Maria não sabe ler nem escrever. Aos 14 anos, fugiu do Ceará para o Amazonas. "Pulei num navio e disse pra um senhor: 'Quando vierem conferir as crianças, diga que sou sua filha'."
Ela conta que, com ele, foi ao último seringal do Acre, perto da Bolívia. "Esse velho me ensinou a cortar seringa, descascar castanha, andar no mato e atirar nos bichos."
Foi em 1952, no Baixo Amazonas, que viu o preparo de uma tartaruga -fez sua primeira dois anos depois. Quem lhe ensinou as diferentes receitas foi seu Armando, para quem trabalhou - "o melhor cozinheiro de Belém".
Explica que a tartaruga de 30 quilos "rende material para os 19 pratos". Com o sangue faz sarapatel, com o músculo, a buchada, com as pernas, o guisado, com o osso, o caldo." Para ela, boa cozinheira não salga a comida nem queima a panela.
Teve 17 filhos. "Todos com o mesmo homem, que depois me deixou". Estende o braço. "Essa queimadura é de fazer massa. Essa é de fritar salgado para vender."
Com a catarata, fazia tudo sem enxergar. Diz que ficou "ruim da vista" por causa dos acidentes -dois de carro, um de moto. Cuidou com ervas, como aprendeu com os caboclos. "A senhora faz um emplastro com gema de pata e com a rapa do jenipapo preto. Cura qualquer osso."

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.