São Paulo, quinta-feira, 07 de julho de 2011

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FOGO ALTO

A visão de quem cozinha

LOURDES HERNÁNDEZ-FUENTES

Pequeno, mas picante


Na mescla de erotismo e gastronomia, o tamanho não importa; o fundamental mesmo é só o conteúdo


Assisto a poucos programas de cozinha. Deixo que o acaso me ponha diante de uma cena curiosa e, às vezes, até me deparo com coisas bem interessantes. Não é preconceito, até porque sou viciada em TV.
É medo de praga. Minha amiga Cristina, a da inútil cama grande (inútil, sim, sua mãe sentenciou: "para que trocar para cama de casal se você não vai nunca arrumar namorado?"), me disse um dia, quando conversávamos: "Lourdes, sabia que quanto mais programas de cozinha ou eróticos assistimos, menos sexo e comida fazemos?"
Acabara de ler numa revista de ciência. Naquela tarde virei fã dos policiais e até hoje não me interessa ir trás assassinos em série.
Mas se o Jamie Olivier ou o "bocadito" gostoso que é o Bourdain me aparecem ao zapear, bom, ai dou uma espiadinha. Embora no lugar do estômago fique esse profundo medo de "quero e não quero".
E deus castiga. Um cozinheiro explica o "novo latino": espécie de mistura das cozinhas hispano-americanas. O México não entra nessa panela porque, segundo ele, estamos caracterizados demais pelo milho. Meu pavio curto vira fogo. Está louco ou é ingênuo demais?
O que nos diferencia da América hispânica é o uso dos chiles. Por sua forma e seu temperamento aceso, o chile representa, no vernáculo nativo, o sexo masculino.
O interessante nessa mescla de erotismo e gastronomia é que há uma reversão das condições de supremacia sexual. O tamanho não importa. O que vale é o conteúdo.
"Pequeno, mas picante", dizemos para elogiar alguém que mesmo magrinho consegue de uma forma improvável se dar bem.
Num mundo em que os adolescentes usam a fita métrica com mais freqüência que os alfaiates para medir sua dotação fálica, os chiles oferecem uma cultura alternativa, em que o menor é o maior.
"Sou como o chile verde, picante mas saboroso", diz uma das letras mais extravagantes da música ranchera. Na dramática nação dos mariachis, o picante é um barato.

LOURDES HERNÁNDEZ-FUENTES foi autora da coluna "La Cocinera Atrevida" em jornais mexicanos; hoje, faz jantares em casa, em São Paulo, para convidados



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