São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2011

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FOGO ALTO A visão de quem cozinha

RODRIGO OLIVEIRA

O jabá, o filé e o sertanejo


O valor do ingrediente está ligado à qualidade, não ao custo; cozinhar exige igual apuro em casa ou no bistrô


O SERTÃO não é lugar de fartura ou abundância. Pelo menos não na maior parte do tempo. Esse talvez seja o motivo de o sertanejo dar tanto valor às coisas, especialmente às de comer. É tocante ver um deles falar de um cozido de feijão-verde com coentro fresco e manteiga de garrafa. Ou de um queijo coalho bem-feito, daqueles de ranger nos dentes.
Falam com igual carinho e paixão dos cajus maduros ou dos umbus verdes, para se comer com uma pitada de sal e uma talagada de cana.
O que é certo é que se o alho fosse tão raro quanto as trufas, custaria tanto quanto elas. Para nós, o valor de um ingrediente está ligado à qualidade, não ao custo.
Por um grande período, as vísceras eram parte dos cortes nobres de um animal. Para nós, sertanejos, o sarapatel e a buchada, feitos com esmero, ainda são grandes iguarias.
Como é possível dizer o que vale mais: um punhado de maxixe ou um maço de aspargos, favas pernambucanas ou lentilhas francesas, barriga de porco ou carré de cordeiro? Aproveitando a comparação dos últimos, enquanto o corte do suíno custa cerca de R$ 6, para o "french rack" cobra-se dez vezes mais.
Assim, parece mais lógico se debruçar sobre o carré; limpá-lo, apará-lo, prepará-lo com cuidado de cirurgião, enquanto simplesmente torramos a barriga de porco num tacho para fazer torresmos.
Mas se dedicarmos atenção e técnica a esse corte, podemos ter, por exemplo, uma pancetta confitada, como a de Jefferson Rueda, ou um torresmo como o do Mocotó.
No nosso caso, o processo todo leva -da marinada à última fritura, antes de ir à mesa- 18 horas.
O resultado é um torresmo de carne macia e suculenta, pele crocante, sequinha e pururucada.
Para isso, investimos um monte de trabalho nesses pedacinhos de carne, gordura e pele. Cada um deles é, ao final, uma pequena e dourada peça de artesanato.
Por isso, seja cozinhando jabá ou filé, em casa para os amigos ou no restaurante para centenas de pessoas, devemos ter o mesmo grau de cuidado e respeito. Afinal, o que seria do caviar sem o ovo?

RODRIGO OLIVEIRA é chef do restaurante Mocotó (av. N. S. do Loreto, 1.100, Vila Medeiros, São Paulo)


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