São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 2011

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FOGO ALTO A visão de quem cozinha

ALEX ATALA

A gastronomia está ficando chata


E será pior se continuar assim; não é seguro dizer que porque é caro é bom, que certo tipo de cozinha está ultrapassada


Tudo evolui, sob alguns aspectos, de maneira surpreendente e positiva. Outras vezes, nem tanto.
Há alguns anos, num jantar em um grande restaurante, estava implícito todas as pompas e circunstâncias, e preciso dizer que era genial, um friozinho na barriga, se arrumar para entrar num ambiente elegante que quase constrange, mas isso faz parte da experiência.
Lembro de cada momento quando, por primeira vez, pisei, sentei e provei a cozinha de um grande chef.
Um jantar em família também tem seus protocolos. São mínimos momentos onde todos se levam a sério. Mais uma vez digo, é genial. Um jantar a dois... Sem palavras!
Há anos, quase em tom de mantra, repito, repito e repito: "É muito melhor comer algo simples, módico, até ruinzinho com quem aprecio, do que comer o melhor dos pratos com um chato ao meu lado".
A gastronomia evolui em passos largos. Isso me faz feliz, pois sou crédulo de que o que pode levar o Brasil e a América Latina a enfim entrar no cenário gastronômico mundial é uma grande diversidade de bons restaurantes, como na França, na Itália, na Espanha, no Japão... E, a cada dia, estamos mais perto disso. Por outro lado, porém, aparecem chefs arriscando boas receitas. E arriscar implica errar.
Explico melhor. Não é fácil fazer cozinha de autor -e já sofri e errei com isso também. É muito fácil ficar fascinado por uma técnica ou um novo equipamento. E aí mais um risco: um lindo prato com gosto de técnica ou de maquininhas novas para cozinhar. A técnica é como uma lupa, uma lente de aumento. Deixa um bom cozinheiro melhor e um mau cozinheiro ainda pior!!!
O pior de tudo é que essa magia, esse fascínio, transpassa os limites da cozinha e chega às salas dos restaurantes onde maîtres tentam complicar o simples, sommeliers resolvem conceder uma entrevista exclusiva a VOCÊ! Pior ainda é quando o cliente resolve que entende mais de vinhos que qualquer sommelier e muito mais de técnica que o chef... Preciso, nesse momento, abrir meu coração e, sem pudor, dizer: "Tá f..."
Uns fazem apologias desmedidas a uma certa tendência ou a um classicismo. Outros a repulsa e o desdém. O problema é que a grande maioria deles nunca nem provou e os mais versados por lá estiveram uma ou duas vezes. As diferenças do bom, do muito bom e do excepcional são construídas com sólido repertório. E vamos combinar: infelizmente, não podemos comer nem beber em grande estilo como gostaríamos, por óbvias razões.
A gastronomia está ficando chata. E será pior se assim continuar. Não é seguro dizer ou acreditar que, porque é caro, é bom, que só o barato vale a pena, que um determinado tipo de cozinha está ultrapassado ou que outra está com os dias contados, que a melhor cozinha do mundo é... #@$%@#@%$#$%@!!! Que coisa chata!!!
A música, as artes, a literatura nos deixam claro que a beleza está na diversidade, que sempre haverá consumidores para todos os estilos, que sair da moda não é morrer. A alimentação e a reprodução são atividades vitais, nós, humanos, com nossas faculdades, transformamos em prazer, e isso fizemos com a nossa capacidade de pensar e de se expressar.
Não quero ninguém para me dizer onde devo botar a mão no momento "x" e quero poder dizer, como comensal: "Puta que pariu, que delícia! Muito obrigado". Que até em um simples jantar não falte água nem bom humor.

ALEX ATALA é chef do D.O.M., eleito o sétimo melhor restaurante do mundo pela revista "Restaurant"



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