São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 2011

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NINA HORTA

Entre os melhores do mundo


Prêmio faz bem a quem ganha; o restaurante estaria diferente, metido? Surpresa, foi o contrário!


O CHEF Alex Atala me deu muito trabalho na semana passada. Tive de lembrar de correr para a TV e assistir à entrevista no Roda Viva com Marília Gabriela. Grandes tempos em que chefs são entrevistados num programa importante.
Havia um motivo a mais para que Atala fosse à TV. Foi eleito o sétimo chef da poderosíssima lista dos 50 melhores restaurantes do mundo.
Como toda lista dá o que falar, se não desse não tinha graça. O melhor restaurante do mundo pode estar fora do circuito dos jurados. E daí?
Prêmio faz bem a quem ganha -e a quem inveja. Claro que é preciso estar dentro do circuito dos jurados, mas enquanto não se inventa um avião particular supersônico para cada jurado é assim que vai ser.
Vão aonde podem, aonde farejam qualidade. E sorte daqueles que puderam ir ao Atala.
A entrevista foi boa, todo mundo com a boca tão cheia de água que nem perguntaram coisas que o chef não soubesse responder. A mediadora sempre muito sensível deu um tom de convivialidade à coisa, queria até passar um vinho.
A mesa é isso, ela sabe. Ele saiu-se bem, verdadeiro e honesto. Parece que teve tempo de refletir quem é, o que fez até hoje e o que gostaria de fazer no futuro.
Acontece que, quando vejo um chef sendo entrevistado, fico um pouco aflita. Como traduzir sua cozinha, que é o mais importante, em palavras? Temos uma filosofia da cozinha? Mal temos uma filosofia da química, como seria elaborar uma para a cozinha? Uhm, difícil o assunto para cozinheiros. Afinal a cozinha o que é? Coisas para o Carlos Dória resolver.
Arte? Artesanato? Simplesmente um fazer? Lembro bem do dia em que Atala anunciou aos jornais: "Não trabalho mais com foie gras e caviar. De agora em diante, só ingredientes brasileiros". Quase como dizendo: "Não falo mais francês nem inglês, falo português".
Estaria daquele dia em diante conversando com o cliente numa nova linguagem, que como todas as linguagens vai se transformando, se refinando, aceitando um ou outro estrangeirismo aqui e ali.
"Nós "vai" fazer um belo jantar hoje", poderia ele dizer com sotaque da Mooca, sem problemas.
E a linguagem não funciona de um lado só. O cliente está lá para fazer a mesma reflexão. Não precisa pender a cabeça como "O Pensador de Rodin", não. Basta comer e achar graça, e lembrar do leite queimado no fogão, no arroz que pegou no fundo da panela, ter prazer.
Como se não bastasse tanto Atala, fui atropelada por um convite da neta para jantar no D.O.M., no seu aniversário. A reserva fora feita antes do prêmio. Adoro ir lá, principalmente porque ele jamais me ofereceu uma salada. Nem no menu vegetariano! Mas me deu uma preguiça, só vencida porque era a neta.
O restaurante estaria diferente, metido, eu teria que ir ao cabeleireiro arrumar meu coque branco? Então não vou, só quando ele for o primeiro da lista. Será que ele agora está uma frescura só?
Mas, surpresa boa, aconteceu o contrário! Todo mundo quer ir ao D.O.M., diferenciados e indiferenciados, todos querem conhecer a comida, rachar a conta, ter pelo menos uma experiência. Comem bem, dão risada, o serviço é o de sempre, o Alex estava lá oferecendo um arroz de cabeça de peixe que ele conseguira de manhã, e como estava bom esse arroz. Só por ele, valeu o prêmio. A neta, muito linda, gostou.

ninahorta@uol.com.br


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