São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 2011

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CRÍTICA LIVRO

Reeditado, McGee segue indispensável

"Comida & Cozinha", escrito em 1984, ainda é referência quando assunto é culinária e ciência

CRISTIANA COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Bem antes de o cientista francês Hervé This cunhar o termo "gastronomia molecular" no fim dos anos 80 para designar a ciência que estuda os fenômenos físico-químicos que ocorrem na cozinha, um astrônomo e estudioso de literatura inglesa da Califórnia dedicou-se a entender os desconfortos causados pela ingestão do feijão.
O resultado da pesquisa de Harold McGee culminou na obra "On Food and Cooking - the Science and Lore of the Kitchen" ("Comida & Cozinha - Ciência e Cultura da Culinária"), cuja edição em português acaba de ser lançada pela WMF Martins Fontes. O livro foi escrito em 1984, vendeu mais de 300 mil exemplares e ganhou nova edição, revisada e ampliada.
"Há 20 anos, os mundos da ciência e da culinária eram nitidamente compartimentados", explica o autor, na introdução do livro.
Mas relação entre a ciência e a cozinha não é nova, nem o interesse da química pelo que acontece dentro da panela. Desde o século 18, químicos se interessam em explicar como os alimentos nutrem e se transformam por meio de práticas culinárias.
Em 1739, os autores do receituário "Les Dons de Comus" já classificavam a moderna cozinha que se espalhava pelas cortes europeias e se opunha à culinária medieval como "um tipo de química", cujas técnicas que forjavam a construção de seus pratos buscavam capturar a essência dos alimentos.
Na capa dos livros de cozinha franceses e alemães do século seguinte, a menção à química tornou-se quase lugar-comum. Adaptada da obra de um médico alemão, o português "A Chimica na Cozinha" indagava por que a química, que tanto progresso promovera nas atividades dos homens, não haveria de "entrar também na oficina das donas de casa, a cozinha, promovendo aí a evolução que a época exige".
Até o livro de 1876 do famoso chef João da Matta, dono de dois hotéis refinados em Lisboa, tinha suas receitas francesas consagradas, pois elas pressupunham "conhecimentos sobre a composição química dos alimentos".
Enfatizadas as raízes antigas das relações entre ciência e cozinha -geralmente consideradas uma "coleção de erros" do passado -, o livro de McGee aborda o assunto de maneira clara, precisa e agradável de ler.
O autor, que se transformou em referência no assunto, disseca o universo de laticínios, carnes e plantas comestíveis, e examina preparos como massas, molhos e doces com um olhar mais amplo do que Hervé This, incluindo conhecimentos da biologia, recuperando a história do cultivo de plantas ou da criação de animais e introduzindo receitas e informações de receituários antigos.
O autor também dedica páginas a noções de saúde e higiene dos alimentos.
Especialmente delicioso é o capítulo dos ovos. McGee, com sensibilidade de literato, relembra a importância desse alimento primordial: "seu conteúdo", diz "é a fonte indiferenciada da vida".
É por isso que os ovos podem assumir tão variadas formas, é por isso que o cozinheiro pode usá-los para gerar estruturas tão diversas, desde um leve e etéreo merengue até um pudim denso e rico." Indispensável.

CRISTIANA COUTO é jornalista de gastronomia, doutora em história da ciência e autora de "Arte de Cozinha"



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