São Paulo, terça-feira, 01 de fevereiro de 2011

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ÚLTIMA MODA 30ª SÃO PAULO FASHION WEEK

Construções do fetiche

Grifes Maria Bonita, Huis Clos e Ronaldo Fraga pensam a fetichização da mulher, da pobreza e da brasilidade

VIVIAN WHITEMAN
EDITORA DE MODA

O termo fetiche entrou para o vocabulário da moda de forma pasteurizada, usado como sinônimo do repertório fashion sadomasoquista: rendas, couro, saltos-agulha etc Porém, no quarto dia da São Paulo Fashion Week, algumas grifes foram além, abordando o fetiche em visões que flertam com a psicanálise e com o marxismo.
Primeiro fetiche, no desfile da Huis Clos: a mulher burguesa moderna-discreta-elegante que esconde entre quatro paredes sua identidade de gata dominadora.
Essa mulher mistura seu estilo cool e contemporâneo_ vestidos e calças de nylon, zíperes esportivos_ com elementos como peles e rendas. No rosto, máscaras de plumas. Nas mãos, luvas longas.
A coleção joga com essa dualidade. A leitura óbvia, como já foi dito, seria dizer que a elegância neoburguesa é o disfarce de uma mulher sexualmente dominante e talvez cruel. Porém, mais correto seria dizer que as duas imagens (a mulher socialmente adequada e a dominatrix) são faces de uma mesma situação de opressão.
Segundo fetiche, no desfile da Maria Bonita: a estetização do trabalhador braçal.
Inspirada na construção de Brasília, a marca não olhou apenas para as famosas construções de Oscar Niemeyer, Athos Bulcão e companhia, mas também para os operários que ergueram a cidade.

ESTILO CAPITAL
Os candangos, como ficaram conhecidos esses operários, emprestaram à grife sua indumentária: as calças largas, os chapéus, as capangas (bolsas) e até as marmitas.
Tudo isso combinado a referências arquitetônicas muito bem traduzidas em macacões, calças curtas, blusas e vestidos de construção limpa e adereços funcionais. Os azulejos de Bulcão se transformaram em peças esculturais. A confecção é primorosa.
Tudo leva a crer que se trata de mais uma tentativa de idealizar a pobreza, sob o verniz de "resgate do patrimônio cultural". Mas há algo diferente no ar.
A grife fala dos trabalhadores que construíram uma cidade, corpo de um ideal político democrático não completamente realizado, já que esses mesmos operários foram de muitas formas excluídos do núcleo do poder. No final do desfile, deslocados do restante, duas figuras vestidas de preto: uma delas traz cordas de andaime no pescoço, como um enforcado.
Estaria a estilista Danielle Jensen falando do fetiche da mercadoria marxista, do "cadáver invisível" do trabalhador que doou sua vida, no caso para construir Brasília, e que de alguma maneira está inscrito em todo o aparato monumental da cidade? E seriam esses fantasmas de luto o retorno dos explorados esquecidos em forma de roupa?
Terceiro fetiche, no desfile de Ronaldo Fraga: a "brasilidade", como definiu a senadora Marina Silva que assistiu à apresentação.
Coleção muito simpática, cheia de belos bordados e bem sucedida do ponto de vista da construção, de fato. A partir da obra de Athos Bulcão (um dos artistas-referência da Maria Bonita), porém, o que se viu foi o Brasil da alegria decorativa, estilo propaganda turística. Nada mais triste do que a obrigação de sorrir.


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