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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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OPINIÃO

Hormônio de crescimento: fonte da juventude?

MARCELLO D. BRONSTEIN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Espera-se que, por volta do ano 2050, perto de 25% da população européia tenha mais de 65 anos.
O aumento da expectativa de vida tem levado a esforços para que a qualidade de vida e a produtividade dos idosos tornem-se cada vez melhores. Mas, para muitas pessoas, parece não bastar envelhecer bem: querem na realidade voltar à mocidade!
Com efeito, a humanidade sempre teve como paradigma a beleza, a força e a disposição da juventude. Temos ao longo da história várias ilustrações de tentativas de reencontrá-la, como a busca da fonte da juventude por Ponce de León no início do século 16 e, mais recentemente, "O retrato de Dorian Gray", na escrita de Oscar Wilde. Um candidato recentemente lançado a "elixir da juventude" é o hormônio de crescimento.
O hormônio de crescimento (GH, de "growth hormone") tem seu nome derivado da sua função biológica mais aparente: promover o crescimento da criança e adolescente até que seja atingida a estatura final. No entanto, o GH continua a ser secretado pela glândula hipófise na idade adulta. Com que finalidade, já que o crescimento se completou?
Na verdade, o GH exerce várias outras funções: adultos privados desse hormônio por doenças da hipófise têm perda de massa muscular, ganham gordura, descalcificam seus ossos, têm menos energia e força muscular e apresentam distúrbios cognitivos e mesmo depressão. Essas alterações podem ser revertidas através de injeções diárias de GH.
Curiosamente, a produção de GH pelo organismo normal decresce com o envelhecimento, chegando a níveis muito baixos após os 60 anos. Em paralelo, várias das alterações descritas acima, principalmente perda de massa e de força muscular e distúrbios na esfera mental, também são encontradas no idoso sem doença na glândula hipófise. Dessa forma, será que a reposição de GH em idosos saudáveis poderia também ser benéfica?
A conceituada revista médica "New England Journal of Medicine" publicou, em 1990, estudo clínico de Rudman e colaboradores, mostrando que homens saudáveis acima de 60 anos, ao receber GH por seis meses, aumentaram a massa muscular e reduziram a massa gordurosa, além de obterem pequeno aumento na densidade dos ossos.
Esse estudo teve grande interesse no meio médico sério, mas provocou verdadeiro furor na imprensa leiga, com alguns jornais e revistas de grande impacto alardeando a descoberta do "elixir da juventude". Estaríamos frente a uma realidade?
À medida que outros estudos sérios de reposição de GH em idosos foram sendo realizados, verificou-se que, apesar do ganho na massa muscular, a maioria dos trabalhos não mostra que a força muscular e a capacidade aeróbica tenham sido beneficiadas: na verdade, estudos em idosos comparando indivíduos em uso de GH com outros desempenhando exercícios físicos mostraram que a força muscular e a capacidade aeróbica tiveram melhora apenas nestes últimos!
Finalmente, o uso de GH não melhorou a massa óssea nem os distúrbios cognitivos de idosos. Por outro lado, mesmo com doses consideradas "seguras", foram evidenciados efeitos colaterais, como inchaço, dores articulares e musculares, distúrbios dos nervos periféricos e diabetes.
Apesar dos estudos não terem evidenciado aumento da incidência de câncer, não podemos esquecer que o GH promove proliferação das células e que os idosos constituem um grupo em maior risco de tumores.
Apesar das evidências contrárias ao uso indiscriminado de GH em idosos saudáveis, o trabalho pioneiro de Rudman vem servindo indevidamente de base para que profissionais mal-intencionados, ou não aprofundados no tema, indiquem essa reposição.
Mais ainda, pode-se encontrar na internet sites com enxurradas de produtos proclamados como "GH" ou "estimulantes do GH", "ativos" por via oral e vendidos sem receita médica. A tônica da propaganda baseia-se no preço muito inferior ao do GH e na não necessidade de injeções.
Obviamente esses produtos não passaram pelo crivo de estudos sérios, e nem todos os anúncios vinculados na web ressaltam que não foram aprovados pela FDA, a agência americana controladora de medicamentos. Torna-se difícil entender como não há proibição para esse engodo!
A redução na produção do GH com o envelhecimento pode ser vista através de duas perspectivas, não necessariamente excludentes: 1) representa um quadro de deficiência hormonal que pode ser tratada em determinadas situações; 2) seja uma adaptação ao envelhecimento, no sentido de proteger o idoso de problemas inerentes a essa faixa etária, tais como hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, diabetes mellitus e neoplasias malignas.
Assim, é imperativo estabelecer um equilíbrio entre os dois pontos de vista, selecionando rigorosamente o idoso a ser reposto com GH, como, por exemplo, aquele debilitado e sem possibilidade de exercitar-se.
Dessa forma, enquanto não se comprove cientificamente a eficácia de drogas candidatas à fonte da juventude, a alimentação e a atividade física adequadas e o controle de fatores de risco como fumo, diabetes, colesterol e pressão arterial persistem sendo as melhores recomendações para uma vida saudável e prolongada.


Marcello D. Bronstein é médico endocrinologista


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