São Paulo, terça-feira, 01 de junho de 2010

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ANÁLISE

Problema é complexo e exige reflexão, não alarmismo

DANIEL DE LUCCA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos anos 1990, a população de rua passou a ser vista como problema público em São Paulo, um fenômeno complexo e de múltiplas causas: desemprego, deficit habitacional, alcoolismo etc.
O discurso do morador de rua como cidadão com "direito a ter direitos" ganhou espaço. Mas hoje, ao mesmo tempo em que vemos frutos das lutas passadas, como marcos legais, a questão se projeta não mais como a do merecedor de direitos.
O morador de rua tem aparecido vinculado à droga e à violência urbana. Trata-se de um movimento histórico de alternância no discurso: antes era questão de cidadania; hoje, de incivilidade.
Por parecer evidente, a identificação imediata entre rua, drogas e violência esconde os vínculos que a constitui. Com isso, quase não se reflete sobre o fato de que o mercado e a circulação de drogas ganharam espaço.
Tampouco se reconhece que a "violência urbana" diz respeito à violência sobre os moradores de rua, culpando a própria vítima por sua vitimização. Seria mais produtivo pensar, tanto a rua quanto as drogas e a violência, menos como causas de um problema social e mais como sintoma crítico de um mundo social em transformação.
De ponta visível do iceberg da vulnerabilidade urbana em massa, a população de rua parece atingir hoje estatuto de problema de segurança pública. Não por acaso as intervenções se parecem com operações militares.
A falta de preparo e os mal-entendidos entre as forças envolvidas acabam por levar a ações inócuas.
O estranhamento que essas cenas produzem deveria nos levar a refletir sobre essa realidade, e não a um alarmista aumento do medo.


DANIEL DE LUCCA é antropólogo e pesquisador do CEM (Centro de Estudo da Metrópole)


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