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ANÁLISE
Problema é complexo e exige reflexão, não alarmismo
DANIEL DE LUCCA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nos anos 1990, a população de rua passou a ser vista
como problema público em
São Paulo, um fenômeno
complexo e de múltiplas causas: desemprego, deficit habitacional, alcoolismo etc.
O discurso do morador de
rua como cidadão com "direito a ter direitos" ganhou
espaço. Mas hoje, ao mesmo
tempo em que vemos frutos
das lutas passadas, como
marcos legais, a questão se
projeta não mais como a do
merecedor de direitos.
O morador de rua tem aparecido vinculado à droga e à
violência urbana. Trata-se de
um movimento histórico de
alternância no discurso: antes era questão de cidadania;
hoje, de incivilidade.
Por parecer evidente, a
identificação imediata entre
rua, drogas e violência esconde os vínculos que a
constitui. Com isso, quase
não se reflete sobre o fato de
que o mercado e a circulação
de drogas ganharam espaço.
Tampouco se reconhece
que a "violência urbana" diz
respeito à violência sobre os
moradores de rua, culpando
a própria vítima por sua vitimização. Seria mais produtivo pensar, tanto a rua quanto
as drogas e a violência, menos como causas de um problema social e mais como
sintoma crítico de um mundo
social em transformação.
De ponta visível do iceberg
da vulnerabilidade urbana
em massa, a população de
rua parece atingir hoje estatuto de problema de segurança pública. Não por acaso as
intervenções se parecem
com operações militares.
A falta de preparo e os mal-entendidos entre as forças
envolvidas acabam por levar
a ações inócuas.
O estranhamento que essas cenas produzem deveria
nos levar a refletir sobre essa
realidade, e não a um alarmista aumento do medo.
DANIEL DE LUCCA é antropólogo e
pesquisador do CEM (Centro de Estudo da
Metrópole)
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