|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
Cinto de castidade
Empresa sul-coreana anuncia nova
calcinha com cinto de castidade para
proteger contra abusos sexuais.
Mundo, 26.ago.2002
Conheceram-se pela internet. E-mail para cá, e-mail para lá, descobriram mútuas afinidades. Ele então propôs
um encontro. Ela estava muito
inclinada a aceitar, mas, por via
das dúvidas, resolveu consultar
uma prima, mulher mais velha e
muito experiente. A prima leu os
e-mails e achou que o rapaz era
digno de confiança, mas sugeriu
que a moça adotasse alguma precaução: afinal de contas, não são
poucos os maníacos sexuais que,
em aparência inofensivos, andam
por aí atacando pessoas.
Qual precaução? A prima também tinha uma resposta para isso: a calcinha com cinto de castidade, uma novidade que havia
importado da Coréia do Sul. Mostrou-a. Era uma pequena maravilha. À semelhança dos antigos
cintos de castidade, esse constava
basicamente de um complexo sistema de fechos metálicos. Mas, diferente dos modelos medievais,
era operado eletronicamente.
Bastava digitar uma senha num
pequeno controle remoto e o cinto
se fechava. Digitando outra vez,
ele se abria.
-Você decide, disse a prima,
em tom de brincadeira.
Ela colocou o tal cinto e seguiu
para o encontro num romântico
bar. Ao vê-lo, quase desfaleceu.
Ele era muito mais bonito do que
na foto enviada pela internet.
Mais: era gentil, era inteligente,
era simpático, enfim, o homem
dos seus sonhos. Conversaram
longamente, ela cada vez mais
encantada, e, por fim, o rapaz a
convidou para um drinque no
apartamento dele. Nesse momento, ela lembrou as advertências da
prima e sentiu um certo desconforto. Mas nada de mal poderia
lhe acontecer; afinal, estava usando o cinto de castidade.
Foram para o apartamento. Ela
não resistiu: caiu em seus braços.
De imediato tiraram a roupa. Ele
viu o cinto, estranhou: o que era
aquilo? Rindo, ela explicou que se
tratava de uma proteção contra
ataques sexuais.
-Mas não se preocupe. Eu já
me livro dessa coisa.
E aí se deu conta, apavorada, de
que tinha esquecido a senha. Nervosa, pôs-se a digitar vários números. Nenhum servia. Ele olhava a cena consternado (mas divertido) e, em determinado momento, pediu para tentar. Pegou
o controle remoto, pensou um
pouco, digitou quatro números e
o cinto de castidade se abriu. Espantada, ela quis saber como ele
tinha descoberto a senha. Depois
de certa hesitação, ele acabou
confessando: recorrera ao acaso.
Tratava-se da data de aniversário de sua ex-namorada. Uma
moça que ele não conseguia esquecer.
Foram para a cama. Foi bom,
mas não inteiramente bom. Por
causa do ciúme dela, claro. Que
funcionava como um cinto de
castidade? É, funcionava como
um cinto de castidade.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
Texto Anterior: Ocupação no centro é controversa Próximo Texto: Lar, doce lar?: Laudo municipal exige reforma em 78% do Cingapura Índice
|