São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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MOACYR SCLIAR

Cinto de castidade

Empresa sul-coreana anuncia nova calcinha com cinto de castidade para proteger contra abusos sexuais.
Mundo, 26.ago.2002

Conheceram-se pela internet. E-mail para cá, e-mail para lá, descobriram mútuas afinidades. Ele então propôs um encontro. Ela estava muito inclinada a aceitar, mas, por via das dúvidas, resolveu consultar uma prima, mulher mais velha e muito experiente. A prima leu os e-mails e achou que o rapaz era digno de confiança, mas sugeriu que a moça adotasse alguma precaução: afinal de contas, não são poucos os maníacos sexuais que, em aparência inofensivos, andam por aí atacando pessoas.
Qual precaução? A prima também tinha uma resposta para isso: a calcinha com cinto de castidade, uma novidade que havia importado da Coréia do Sul. Mostrou-a. Era uma pequena maravilha. À semelhança dos antigos cintos de castidade, esse constava basicamente de um complexo sistema de fechos metálicos. Mas, diferente dos modelos medievais, era operado eletronicamente. Bastava digitar uma senha num pequeno controle remoto e o cinto se fechava. Digitando outra vez, ele se abria.
-Você decide, disse a prima, em tom de brincadeira.
Ela colocou o tal cinto e seguiu para o encontro num romântico bar. Ao vê-lo, quase desfaleceu. Ele era muito mais bonito do que na foto enviada pela internet. Mais: era gentil, era inteligente, era simpático, enfim, o homem dos seus sonhos. Conversaram longamente, ela cada vez mais encantada, e, por fim, o rapaz a convidou para um drinque no apartamento dele. Nesse momento, ela lembrou as advertências da prima e sentiu um certo desconforto. Mas nada de mal poderia lhe acontecer; afinal, estava usando o cinto de castidade.
Foram para o apartamento. Ela não resistiu: caiu em seus braços. De imediato tiraram a roupa. Ele viu o cinto, estranhou: o que era aquilo? Rindo, ela explicou que se tratava de uma proteção contra ataques sexuais.
-Mas não se preocupe. Eu já me livro dessa coisa.
E aí se deu conta, apavorada, de que tinha esquecido a senha. Nervosa, pôs-se a digitar vários números. Nenhum servia. Ele olhava a cena consternado (mas divertido) e, em determinado momento, pediu para tentar. Pegou o controle remoto, pensou um pouco, digitou quatro números e o cinto de castidade se abriu. Espantada, ela quis saber como ele tinha descoberto a senha. Depois de certa hesitação, ele acabou confessando: recorrera ao acaso. Tratava-se da data de aniversário de sua ex-namorada. Uma moça que ele não conseguia esquecer.
Foram para a cama. Foi bom, mas não inteiramente bom. Por causa do ciúme dela, claro. Que funcionava como um cinto de castidade? É, funcionava como um cinto de castidade.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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