São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

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Kassab quer contrato para morador de rua

Proposta do prefeito é aumentar rigor em albergues e obrigar usuários a freqüentar cursos e até a tomar banho

Idéia importada dos EUA é criticada por líderes, para quem as exigências só vão afugentar a população dos serviços de atendimento

ALENCAR IZIDORO
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO

DA REPORTAGEM LOCAL

A gestão Gilberto Kassab (DEM) vai impor um controle mais rígido para a entrada dos moradores de rua nos albergues da cidade de São Paulo: eles serão obrigados a assinar um "contrato de direitos e deveres" e a cumprir uma série de obrigações, sob risco de não poderem utilizar os serviços.
A relação de deveres dessa população -parte da qual tem inclusive problemas mentais- ainda está sendo preparada, mas a prefeitura já elenca entre eles a obrigatoriedade "contratual" de que tenham práticas de higiene, como banho, e também a de freqüentar cursos de capacitação profissional e de realizar tratamentos de saúde.
A medida é alvo de críticas de líderes da população de rua, para quem os moradores deverão se afastar mais dos albergues.
"É uma imposição que provavelmente vai ser recusada", afirma Alderon Pereira da Costa, presidente da Associação Rede Rua. "Querem expulsar os moradores de rua dos albergues, em vez de incluí-los?", questiona Anderson Lopes Miranda, 32, um dos líderes do Movimento Brasileiro em Defesa da População de Rua.
O secretário Floriano Pesaro (Assistência e Desenvolvimento Social) diz já ter consultado Kassab sobre a proposta ("ele está plenamente de acordo"), que ele importou de Nova York, nos Estados Unidos, onde esteve no final de outubro e de onde trouxe um modelo de contrato a ser usado como referência.
Ele cita a condição de um morador de rua alcoólatra como exemplo. "Ele vai ter que fazer tratamento de saúde. Ali [no cadastro personalizado do albergue] vai dizer quantas vezes ele foi ao médico. É como um jogo: se ele falhar em uma daquelas [obrigações], volta ao começo da fila", afirma.

"Boa aparência"
"Nos Estados Unidos, uma das regras é que faça a barba, esteja com boa aparência, faça currículo e se apresente no mercado de trabalho pelo menos três vezes por semana", afirma ele, citando a proposta na qual se inspirou e exalta -embora diga que não conseguirá adotá-la integralmente.
Pesaro diz que pretende implantar as exigências tanto comportamentais como de freqüência em cursos no final do primeiro trimestre de 2008.
Já deve começar a apresentá-las para discussão com as entidades que gerenciam os albergues nos próximos dias. Elas serão precedidas de um sistema de biometria -pela qual os usuários dos albergues passarão por identificação digital.
Hoje, a população de rua na capital paulista é estimada em 12 mil e há em torno de 8.000 vagas nos albergues. Mas a prefeitura relativiza esse déficit.
Diz que boa parte das vagas dos albergues hoje é, nas palavras do secretário, ocupada por um público que "não deveria ser cliente desses serviços".
Pesaro se refere a pessoas que nunca moraram na rua e têm algum teto para dormir -muitas vezes em lugares distantes do centro, submetidas a custos altos com transporte para se deslocar diariamente. Ele afirma que pretende mudar esse perfil com as novas regras.
"Hoje temos nos nossos equipamentos pessoas que não são moradores de rua: desde foragidos da polícia até egressos da Febem, do sistema penitenciário, que nunca moraram na rua, mas acabam parando nos albergues por certa comodidade", declara Pesaro.

"Pau na mesa"
O mesmo secretário declara já haver dificuldades para atrair a população que dorme na rua aos albergues. De cada quatro abordagens dos assistentes sociais, ele afirma que somente uma tem sucesso.
Um dos principais motivos de resistência hoje está ligado justamente às regras que já existem nos albergues, às vezes com caráter informal, como a proibição de entrar com bebida, arma e droga, além de horários fixos de entrada e saída.
A Folha pergunta: a situação não vai piorar com a imposição de normas mais rígidas?
"Entendi seu ponto. Mas me disseram lá em Nova York que é uma situação contrária. Eles conseguiram ter mais efetividade quando puseram o pau na mesa, quando puseram as regras de conduta e de convivência. Eles consideram um caráter educativo, não de negligência", justifica Pesaro.
O secretário de Kassab alega que, com essa imposição rígida dos deveres, os moradores de rua terão um plano de reinserção social para sair das ruas.
Ele diz que a existência de um contrato formal também facilita a cobrança dos direitos ("cama, mesa, banho, acesso prioritário a cursos, acompanhamento de assistente social") pelos moradores de rua nas instituições conveniadas que gerenciam os albergues.
"De cem que entram nos equipamentos hoje em dia, só 30 saem para uma vida melhor. Alguma coisa está errada. Em Nova York, essa aposta de cobrar contrapartidas claras se mostrou efetiva. Como no Brasil a gente nunca testou, está na hora de testar."


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