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Kassab quer contrato para morador de rua
Proposta do prefeito é aumentar rigor em albergues e obrigar usuários a freqüentar cursos e até a tomar banho
Idéia importada dos EUA é criticada por líderes, para quem as exigências só vão afugentar a população dos serviços de atendimento
ALENCAR IZIDORO
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
A gestão Gilberto Kassab
(DEM) vai impor um controle
mais rígido para a entrada dos
moradores de rua nos albergues da cidade de São Paulo:
eles serão obrigados a assinar
um "contrato de direitos e deveres" e a cumprir uma série de
obrigações, sob risco de não poderem utilizar os serviços.
A relação de deveres dessa
população -parte da qual tem
inclusive problemas mentais-
ainda está sendo preparada,
mas a prefeitura já elenca entre
eles a obrigatoriedade "contratual" de que tenham práticas de
higiene, como banho, e também a de freqüentar cursos de
capacitação profissional e de
realizar tratamentos de saúde.
A medida é alvo de críticas de
líderes da população de rua, para quem os moradores deverão
se afastar mais dos albergues.
"É uma imposição que provavelmente vai ser recusada",
afirma Alderon Pereira da Costa, presidente da Associação
Rede Rua. "Querem expulsar os
moradores de rua dos albergues, em vez de incluí-los?",
questiona Anderson Lopes Miranda, 32, um dos líderes do
Movimento Brasileiro em Defesa da População de Rua.
O secretário Floriano Pesaro
(Assistência e Desenvolvimento Social) diz já ter consultado
Kassab sobre a proposta ("ele
está plenamente de acordo"),
que ele importou de Nova York,
nos Estados Unidos, onde esteve no final de outubro e de onde
trouxe um modelo de contrato
a ser usado como referência.
Ele cita a condição de um
morador de rua alcoólatra como exemplo. "Ele vai ter que fazer tratamento de saúde. Ali
[no cadastro personalizado do
albergue] vai dizer quantas vezes ele foi ao médico. É como
um jogo: se ele falhar em uma
daquelas [obrigações], volta ao
começo da fila", afirma.
"Boa aparência"
"Nos Estados Unidos, uma
das regras é que faça a barba,
esteja com boa aparência, faça
currículo e se apresente no
mercado de trabalho pelo menos três vezes por semana",
afirma ele, citando a proposta
na qual se inspirou e exalta
-embora diga que não conseguirá adotá-la integralmente.
Pesaro diz que pretende implantar as exigências tanto
comportamentais como de freqüência em cursos no final do
primeiro trimestre de 2008.
Já deve começar a apresentá-las para discussão com as entidades que gerenciam os albergues nos próximos dias. Elas
serão precedidas de um sistema de biometria -pela qual os
usuários dos albergues passarão por identificação digital.
Hoje, a população de rua na
capital paulista é estimada em
12 mil e há em torno de 8.000
vagas nos albergues. Mas a prefeitura relativiza esse déficit.
Diz que boa parte das vagas
dos albergues hoje é, nas palavras do secretário, ocupada por
um público que "não deveria
ser cliente desses serviços".
Pesaro se refere a pessoas
que nunca moraram na rua e
têm algum teto para dormir
-muitas vezes em lugares distantes do centro, submetidas a
custos altos com transporte para se deslocar diariamente. Ele
afirma que pretende mudar esse perfil com as novas regras.
"Hoje temos nos nossos
equipamentos pessoas que não
são moradores de rua: desde foragidos da polícia até egressos
da Febem, do sistema penitenciário, que nunca moraram na
rua, mas acabam parando nos
albergues por certa comodidade", declara Pesaro.
"Pau na mesa"
O mesmo secretário declara
já haver dificuldades para
atrair a população que dorme
na rua aos albergues. De cada
quatro abordagens dos assistentes sociais, ele afirma que
somente uma tem sucesso.
Um dos principais motivos
de resistência hoje está ligado
justamente às regras que já
existem nos albergues, às vezes
com caráter informal, como a
proibição de entrar com bebida, arma e droga, além de horários fixos de entrada e saída.
A Folha pergunta: a situação
não vai piorar com a imposição
de normas mais rígidas?
"Entendi seu ponto. Mas me
disseram lá em Nova York que
é uma situação contrária. Eles
conseguiram ter mais efetividade quando puseram o pau na
mesa, quando puseram as regras de conduta e de convivência. Eles consideram um caráter educativo, não de negligência", justifica Pesaro.
O secretário de Kassab alega
que, com essa imposição rígida
dos deveres, os moradores de
rua terão um plano de reinserção social para sair das ruas.
Ele diz que a existência de
um contrato formal também
facilita a cobrança dos direitos
("cama, mesa, banho, acesso
prioritário a cursos, acompanhamento de assistente social") pelos moradores de rua
nas instituições conveniadas
que gerenciam os albergues.
"De cem que entram nos
equipamentos hoje em dia, só
30 saem para uma vida melhor.
Alguma coisa está errada. Em
Nova York, essa aposta de cobrar contrapartidas claras se
mostrou efetiva. Como no Brasil a gente nunca testou, está na
hora de testar."
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