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ARQUIVO X
"Vozes do além" encontram
Carina, 26, em Mirandópolis
da Reportagem Local
Uma armadilha do destino. É assim, com uma expressão folhetinesca, que Carina Bandeira Margarido, 26, define o que lhe ocorreu em julho, apenas oito meses
depois de virar juíza.
À época, trabalhava como substituta na comarca de Mauá (a 29
km de SP) e teve de julgar um jovem que estava preso sob a acusação de narcotráfico. "Existiam indícios de que cometera o crime,
mas faltavam provas robustas para condená-lo", conta.
Mergulhada em dúvidas, chegou
a redigir duas sentenças: uma absolvia o rapaz, a outra o mantinha
preso. "Guardei os textos no
computador e, toda hora, os reexaminava. Dispunha de cinco dias
para dar a decisão, só que estourei
o prazo em quase duas semanas."
Acabou optando pela absolvição, e o rapaz deixou a cadeia.
"Segui o preceito de que, na dúvida, deve-se agir em favor do réu."
Um dia depois, mal a juíza entrou no fórum, um funcionário a
chamou: "Doutora, a senhora absolveu o rapaz e, sem querer, assinou a sentença de morte dele".
Carina soube, então, que o jovem resolvera comemorar a liberdade em uma favela. Foi baleado
assim que saiu da festa e morreu.
"Provavelmente, houve um
acerto de contas entre traficantes.
Claro que aquilo me abalou. Não
conseguia parar de pensar que, se
tivesse decidido pela condenação,
talvez o rapaz continuasse vivo."
Quando "esfriou a cabeça", entendeu que fizera "o certo".
"Cumpri meu papel e tomei a decisão com base na lei. Não podia
prever o que aconteceu depois."
Hoje, Carina atua como titular
na 2ª Vara de Mirandópolis (605
km de SP) e está às voltas com um
episódio sombrio, que lembra os
do seriado "Arquivo X".
Em um período de seis meses,
quatro pessoas de uma família de
classe média morreram numa
mesma casa da cidade. Eram a
avó, o tio, a tia e a mãe de um estudante de 21 anos.
Quando a juíza chegou a Mirandópolis, três mortes já haviam
acontecido, aparentemente por
causas naturais. Pelas ruas, no entanto, cresciam boatos de que alguém estava eliminando a família.
Em novembro, numa sexta-feira
13, logo depois da quarta morte,
Carina decretou a prisão temporária do estudante, a pedido da polícia local. "O delegado apresentou
uma série de indícios que tornam
o rapaz suspeito de matar a mãe
asfixiada", explica a juíza.
De início, o jovem negou tudo.
Mas, em dezembro, ainda preso,
confessou não apenas o assassinato da mãe como o dos demais parentes, de acordo com a polícia.
Alegou cumprir "uma missão",
designada por "vozes do além".
"O caso não chega a me assustar, mas é desafiador", afirma Carina. "Se as suspeitas em torno do
rapaz se confirmarem, irá se desvendar um mistério que, paradoxalmente, continuará encobrindo
outro, impossível de a Justiça esclarecer: por que há seres humanos capazes de praticar crimes
dessa natureza?"
(AA)
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