São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Não me arrependo de nada


Teve seis filhos, vivendo cada vez mais apertada, a tal ponto que, desempregada, tentou levar comida do mercado

A VIDA nunca foi fácil para a faxineira Rita Cássia Faria, filha de uma mãe alcoólatra, que a obrigou a ser babá aos 13 anos. Anos mais tarde, desempregada, não tinha como alimentar os filhos e assaltou um supermercado. "Estava desesperada."
Não voltou para casa: saiu dali para cadeia, onde ficou por um ano. Agora vai receber uma homenagem graças à Edith Piaf, um dos símbolos da música francesa -a homenagem virá na forma da "Non, je ne regrette rien" (Não me arrependo de nada).
A música foi gravada por Juliana, de 14 anos, filha de Rita. "Descobri a história de Piaf e achei que tinha muito a ver com minha mãe."

 

A homenagem nasce com uma experiência realizada na Cidade Tiradentes, periferia de São Paulo, onde quase ninguém sabe quem foi Edith Piaf -e, se por acaso soubesse, dificilmente ouviria sua voz.
Para discutir a violência doméstica, garotas foram convidadas a gravar músicas com temas femininos -na próxima semana se comemora o Dia Internacional da Mulher. Além do CD, haverá uma apresentação ao vivo.
Passaram, então, o filme sobre Edith Piaf, cuja vida foi repleta de traumas -explorada pelo pai e por amantes, teve de cantar na rua para não se prostituir e perdeu sua única filha. "As histórias são diferentes, mas aquele sofrimento de Piaf lembrou a minha mãe."

 

A música passou na vida de Rita -mas de raspão. Ela fez um furo na lona de um circo e deu um jeito de ver o espetáculo, onde fizeram um concurso para a melhor cantora da plateia. Ganhou. "Minha paixão era cantar". Foram seus cinco minutos de glória. Teve seis filhos, vivendo cada vez mais apertada, a tal ponto que, desempregada, tentou levar comida do supermercado -Juliana e os irmãos foram morar com uma avó. "Tentei explicar para os guardas que estávamos passando fome, mas não adiantou."
Cumprida a pena, arranjou o emprego de faxineira e voltou a estudar. Está terminando o supletivo do ensino fundamental e pretende continuar. "Quero ser assistente social." Já perdeu qualquer ilusão musical.

 

Mas, na próxima semana, quando ouvir a filha cantando para o público, Rita se sentirá no palco -sem arrependimentos.

 

PS - Coloquei a gravação de Juliana na internet (www.catracalivre.com.br) -estão também as demais gravações feitas com temas sobre a mulher do projeto batizado de "Elas por Elas".

gdimen@uol.com.br


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