São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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MASSACRE NA BAIXADA

Apelos desesperados marcaram enterro de dois primos que foram mortos em Queimados; adolescente queria entrar para a Marinha

"Quero meu irmão de volta; Vinícius, volta"

TALITA FIGUEIREDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Eu quero meu irmão de volta. Volta pra casa Vinícius, volta". "Chicão, eu vi você vivo. É mentira [que você está morto]. Levanta". Os apelos desesperados marcaram o enterro ontem dos primos Marcos Vinícius Sipriano de Andrade, 15, e Francisco José da Silva Neto, 34, no Cemitério da Jaqueira, em Queimados.
Os dois são vítimas de um massacre ocorrido na Baixada Fluminense na noite de quinta-feira quando 30 pessoas foram assassinadas. Foram mortos na rua Carlos Sampaio, em Queimados, onde outras três pessoas morreram.
Marcos Vinícius, chamado carinhosamente pela família de Pitão, cursava a 7ª série e tinha o sonho de entrar para a Marinha e estudar para ser ortopedista. "Meu filho sempre dizia: Mãe, imagina me ver juntando os ossinhos das pessoas", contava a mãe, a dona-de-casa Dulce Maria Sipriano, 51.
Marcos Vinícius tinha sete irmãos - mais novas do que ele apenas as gêmeas de 14 anos. Estudioso, preparava-se para dar aulas de reforço de matemática, para os colegas. Seu último dia de vida não foi atípico. "Ele acordou às 6h, foi para a escola e voltou para casa às 12h30, como de costume. O almoço já estava pronto. Ele sempre chegava em casa pedindo logo a comida", diz a mãe.
O jovem passou a tarde estudando para terminar um trabalho sobre células-tronco que ele entregaria na terça-feira. À noite, depois do jantar, assistiu à televisão com o pai. "Deitou perto dele e ficou fazendo cafuné no pai. Ele é muito carinhoso, todo dia falava "eu te amo, mãe", "eu te amo, pai'".
Antes de dormir, o rapaz lembrou-se de buscar uma cartolina na casa do sobrinho, que deveria levar para a escola no dia seguinte. Saiu de casa, caminhou poucos metros e encontrou o primo Francisco, o Chicão. Minutos depois homens passaram atirando. Atingidos na cabeça e mortos na hora, foram enterrados lado a lado, na presença de pelo menos 250 amigos e parentes, que levaram cartazes com pedidos de paz e balões brancos.
Chicão era fiscal de saúde de um supermercado na Baixada Fluminense. Na quinta, após chegar do trabalho, ele pedira à mulher Licínia Marcelino Porto Rosa para arrumar o filho deles, Luiz Felipe, de quatro meses, para ir à casa da irmã Ana Paula, que completava 28 anos naquele dia.
Do lado de fora da casa, ele passara o bebê minutos antes do tiroteio para as mãos da mulher. "Se não tivesse feito isso, meu sobrinho teria sido morto", disse Ana.


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