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MASSACRE NA BAIXADA
"Vivemos em uma guerra civil
não-declarada", diz historiador
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos últimos quatro anos o historiador Luís Mir mergulhou no
universo da violência brasileira.
Passou noites na porta de prontos-socorros, organizou campanhas médicas e viu a morte de
perto. No final de 2004 ele emergiu dessa realidade com um livro
e uma certeza: "Vivemos em uma
guerra civil não-declarada".
Em entrevista à Folha, o catarinense de 48 anos, autor de "Guerra Civil - Estado e Trauma", diz
que a chacina ocorrida no Rio na
quinta-feira passada é mais um
ato bárbaro que revela a falência
do Estado. Leia trechos abaixo:
Folha - O que é essa guerra civil?
Luís Mir - É uma guerra civil no
contexto da violência crônica
contra as massas segregadas e
marginalizadas. O Estado brasileiro, desde a época da colônia,
nunca foi um agente pacificador.
Sempre agiu com violência e repressão. Hoje o conflito econômico se agravou a tal ponto que os
grupos segregados, sempre vistos
como inimigos do Estado, estão
questionando a distribuição de
renda com as armas que eles têm.
Folha - Em 2003, o jornal inglês
"The Independent" chamou o Rio
de "a cidade da cocaína e da carnificina". O que o senhor acha?
Mir - É muito pior do que aquilo.
O Rio dormiu nos anos 50 como
capital federal e acordou como
um balneário. Perdeu 1,2 milhão
de empregos de uma hora para a
outra, não houve transição. Desde
então a escalada dessa guerra foi
absolutamente anunciada, não é
novidade para ninguém. E vai
piorar, pois estão brigando pelo
bolo [da renda] à bala.
Folha - O que está por trás de crimes como a última chacina?
Mir -A chacina é algo que foge à
racionalidade. É um ato bárbaro,
animalesco. Mas sua base reside
na falência das instituições legais.
Folha - Como a violência pressiona o sistema público de saúde?
Mir - A média de internação de
um paciente politraumatizado é
de 20 dias e uma UTI pode custar
até R$ 5 mil por dia. O sistema não
resiste, e não agüentaria em lugar
nenhum do mundo. Poderíamos
atender dez pacientes comuns para cada vítima de violência.
Folha - Quem é mais afetado: a vítima ou o promotor da violência?
Mir -Todos. Temos hoje uma catástrofe humanitária na porta de
entrada dos hospitais, com um
número absurdo de pacientes
traumatizados. A eles se somam
os pacientes crônicos. São tantas
pessoas que os médicos do pronto-socorro não têm como atender
bem. O sistema está em colapso.
Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que o atendimento à violência no país custa R$ 19 bilhões por
ano, o que representa 40% dos
gastos totais com saúde no país.
Folha - No livro, o senhor diz que
a guerra civil está modificando o
perfil do médico brasileiro. Como?
Mir - Temos poucos centros de
atendimento exclusivo a traumas
no Brasil e uma demanda gigante.
O médico que sai da faculdade
tem treinamento para atender
traumas, mas, se trabalha na rede
pública, vai acabar pegando um
baleado na segunda-feira, um esfaqueado na terça-feira e por aí
vai. Virou medicina de guerra.
Folha - Qual a repercussão no
meio médico desse fenômeno?
Mir - A pior possível: os médicos
acabam saindo da rede pública.
No Rio as pesquisas apontam para uma deserção de 20% a 40% da
área de emergência.
Folha - Os programas governamentais de distribuição de renda
são um bom caminho?
Mir - Em tese. Mas hoje eles não
chegam à ponta, se perdem na
corrupção no meio do caminho.
Folha - Qual é a solução?
Mir - O Estado deveria se desarmar contra a população marginalizada, que vive numa espécie de
campo de concentração, isolada e
sem perspectivas.
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