|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Envergonhados e sem rumo, eles ainda resistem
DA REPORTAGEM LOCAL
É uma conta perversa. De um
lado, quanto se poderá receber
com trabalho justo, cuja oferta é
cada vez mais rara. De outro, os
ganhos que se poderá auferir ilegalmente, deles descontados os
riscos que se corre e as punições
às quais se está sujeito.
A forma como pende essa balança -na qual se misturam ainda incontáveis valores pessoais e
familiares- determina, muitas
vezes, o ingresso ou não do cidadão na criminalidade.
"É por isso que há limite na ação
policial. Porque a punição é apenas uma variável em uma conta
maior", avalia o economista Clifford Young, do Uniemp.
"A melhoria na qualificação dos
policiais poderá definir rapidamente outro limite", mais adiante, rebate Nancy Cardia, do NEV.
Longe da discussão acadêmica,
a vida no limiar da resistência não
é nada fácil. "Se não tivesse a cabeça no lugar, já tinha metido um
revólver na cinta", afirma Vanderlei José de Lima, 30, desempregado há mais de quatro anos.
Nas palavras de Lima, ele está
no "veneno puro". Casado, são os
bicos como gesseiro que sustentam a casa. Hoje ele procura um
trabalho. Qualquer trabalho. "É o
que mais vem na cabeça [praticar
um crime]. Mas, se com o nome
limpo já está difícil, imagine com
o nome sujo. Não tem jeito."
Para o psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg, a forma como o
drama do desemprego impacta a
subjetividade do indivíduo é determinante para desencadear ou
não a conduta criminógena. Haveria, nesse raciocínio, uma espécie de predisposição.
"Muitas vezes o sujeito passa a
transgredir códigos de convivência porque se sente diminuído pela falta de ocupação", avalia.
Diminuído e envergonhado. É
assim que se sente Adílson José da
Silva, 20, que já trabalhou em quatro lugares diferentes, mas nunca
teve a carteira assinada. Há três
anos, está desempregado.
"O pior [do desemprego] é para
namorar. Me sinto mal de nunca
poder dar um presente", afirma.
Silva mora em Itaquera, no fundão da zona leste, com os pais, a
avó e dois irmãos. Só cursou até o
2º ano do ensino médio. O que
mais ouve nas entrevistas é que
não tem qualificação suficiente.
"Quando bate o desânimo, penso em assaltar, traficar, qualquer
coisa. Mas sempre tem alguém
que chega com um conselho e me
traz de volta à realidade", diz ele.
Sadomasoquistas
Goldberg tem uma teoria interessante para explicar a vontade
de reação que assalta, vez ou outra, pessoas como o desempregado Silva. Para ele, a modernidade
está riscando do mapa uma certa
relação sadomasoquista que historicamente se estabeleceu entre
pobres e ricos no país, fazendo
com que a resposta à corriqueira
injustiça social nem sempre se dê
civilizadamente.
"O rico nos EUA é discreto, sabe
da exigência da solidariedade social. Aqui, não. O rico brasileiro
chega na fronteira do deboche, da
humilhação", diz o psicanalista.
"Mas os pobres cada vez mais
entendem seus direitos de cidadania. Ninguém mais quer esperar
ganhar o reino dos céus para ser
recompensado do sofrimento. A
ascensão dos evangélicos legitimou de forma definitiva o direito
do pobre de gerar riqueza. E as
pessoas estão dispostas a conseguir seus direitos -pleiteando,
reivindicando e exigindo, se necessário, violentamente."
Nesse contexto de reação, o desemprego e a renda apareceriam
não como causa da violência, mas
como catalisadores desse processo -pois afastariam ainda mais
as pessoas de seus objetivos.
Para estancar esse círculo vicioso, os pesquisadores do Uniemp
sugerem ações que visem: 1) retardar a entrada dos jovens no
mercado de trabalho; 2) capacitá-los para, quando o fizerem, conseguirem disputar melhores postos;
e 3) garantir a empregabilidade
das pessoas com mais de 40 anos.
(SÍLVIA CORRÊA e PEDRO DIAS LEITE)
Texto Anterior: Governo aposta em transferência de renda Próximo Texto: Fenômeno cria "geração perdida" Índice
|