São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Pacote turístico inclui passeio por boca-de-fumo

DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

São 19h na base do morro da Rocinha e numa das partes mais movimentadas da favela, a via Ápia, garotos que aparentam não ter mais de 15 anos fumam cigarros de maconha maiores que os próprios dedos.
Esses meninos são os "aviõezinhos" do tráfico. Ali mesmo vendem papelotes, embrulhinhos de cocaína ou de outras drogas quaisquer.
O esquema funciona no sistema "drive-thru": motoristas passam de carro, abaixam o vidro, como se houvessem previamente combinado, recebem a encomenda e entregam o dinheiro. Não há diálogo, e a ação, que não dura mais do que alguns segundos, é mecânica.
O passeio pela boca-de-fumo da via Ápia faz parte do pacote turístico, que custa R$ 90 e dura quatro horas. "É onde os playboys compram drogas", diz o guia Pedro Novak, da Private Tours.
No alto do morro, mais cedo, o agente de turismo mostra marcas de balas nas paredes dos barracos e nos telhados de zinco que cobrem parte dos becos, resultado não só de tiroteios com a polícia, mas de treinamento paramilitar dos próprios traficantes, segundo explica um "soldado" que empunhava uma submetralhadora e fazia a vigilância de uma das passagens da rua 1 (na parte alta da favela).

Pose
Curiosamente, ao fim da conversa, o "soldado" se deixa fotografar pela reportagem, que se passava por turista estrangeiro. Pede para o ver o resultado na câmera digital para garantir que o rosto não aparecesse nas imagens.
Mais à frente, o guia mostra uma pichação em que se lê "ADA", a sigla para a facção "Amigo dos Amigos", que comanda o tráfico na Rocinha, onde, segundo o Censo 2000, moram 56 mil pessoas.
Num salão de um barraco, homens fazem treinamento de defesa pessoal e é lá, conta o "soldado", que se aprende a manejar armas de todos os tipos e calibres.
Alguns lances de escada abaixo, a saída de crianças, a maioria de colo, chama a atenção. É a creche "Centro Comunitário", onde 165 meninos recebem lições de alfabetização.
"Tem gente que vai nisso com risco de vida? Veja a sensação da impunidade como anda. É um território dentro do Estado", diz o juiz aposentado e criminalista Luiz Flávio Gomes.
Para o secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, o perigo não é só o de uma ação policial no morro, que pode colocar os turistas em meio ao fogo cruzado, mas a invasão da favela por facções criminosas rivais, como já ocorreu em abril de 2004 e deixou 12 mortos na Semana Santa. (VQG)


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