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Cemitério japonês no interior de SP é único da América Latina
Área onde estão enterradas 784 pessoas, entre japoneses e descendentes, fica em Álvares Machado, oeste do Estado
Primeiros mortos no local tombado pelo patrimônio histórico datam da década de 20, quando houve uma epidemia de febre amarela
JULIANA COISSI
ENVIADA ESPECIAL A ÁLVARES
MACHADO
O aposentado Mário Ogassawara, 77, é guardião de um bem
importante na pequena cidade
de Álvares Machado, no oeste
paulista (a 578 km da capital).
Filho de pioneiros japoneses
que chegaram à cidade para "fazer a vida" em 1918, Ogassawara é o responsável pelas chaves
do primeiro e único cemitério
apenas de japoneses da América Latina -título confirmado
pelo Consulado Geral do Japão
em São Paulo-, que foi tombado como patrimônio histórico
nos anos 80.
Na década de 20, Álvares Machado, que tinha a maior parte
da sua área ocupada por mata
virgem, foi atingida por uma
epidemia de febre amarela que
matou muitos pessoas, incluindo os recém-chegados japoneses. Kussushigue e Kazumassa,
tio e avô de Ogassawara, foram
das primeiras vítimas.
Por decisão dos parentes, os
dois foram sepultados em um
sítio da família, já que o cemitério mais perto ficava em Presidente Prudente, uma distância
de 15 km que era percorrida a
pé. O pai da aposentada Emília
Matsumoto, 69, então um rapaz de 18 anos, era um dos escalados para carregar os caixões.
"Uma vez, ele mal chegou de
volta e já tinha outro morto por
causa da epidemia. No total, foram cinco corpos seguidos que
tiveram que levar", conta ela.
Depois de optar por enterrar
no próprio sítio os dois parentes, a família Ogassawara passou a ser procurada por outros
imigrantes de luto. Decidiram,
então, em 1920, doar cinco alqueires do sítio para construir
o cemitério e uma escola.
No "ohaka", cemitério em japonês, de Álvares Machado estão enterradas 784 pessoas, entre japoneses e descendentes
diretos. Há uma única exceção,
logo justificada: Manoel, um
brasileiro, ganhou seu jazigo no
espaço japonês porque foi assassinado defendendo uma família japonesa de um jagunço
que queria matá-la durante a
madrugada para tomar o sítio.
O cemitério passou, então, a
receber não só vítimas de febre
amarela e de doenças tropicais.
Tooru Tachibana, tio-avô da
professora de estatística Vilma
Tachibana, é um dos que foram
enterrados no local. Ele morreu com 20 anos por ferimentos de luta de sumô.
Também estão sepultadas ali
muitas crianças que nem sequer atingiram os dez anos:
muitas delas sofriam com a alimentação escassa.
Além dos túmulos, os imigrantes construíram no local
uma capela para orações de budistas. Como católicos também
foram enterrados no cemitério,
a colônia permitiu que fossem
colocadas uma cruz e imagens
de Nossa Senhora e de Jesus.
Boa parte da conversão de japoneses ao catolicismo se deve
ao trabalho do monsenhor Nakamura, que, segundo a comunidade, foi o primeiro padre japonês enviado ao Brasil, em
1923. Há um processo no Vaticano que busca a beatificação
do religioso (leia texto ao lado).
O "ohaka" funcionou até
1942, quando o então presidente Getúlio Vargas decidiu fechá-lo -durante a Segunda
Guerra Mundial, uma série de
medidas foi adotada pelo governo contra as comunidades
japonesas por pertecerem a
uma nação inimiga.
"O povo ficou triste quando
fechou. A partir dali, os japoneses passaram a ser enterrados
no cemitério municipal de Machado", conta Ogassawara.
Os familiares dos japoneses
mortos continuaram, porém, a
fazer suas orações no local. Os
portões são abertos duas vezes
por ano: no Dia de Finados e em
julho para uma celebração chamada Shokonsai (convite às almas). O cemitério foi tombado
pelo Condephaat (Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e
Turístico do Estado de SP).
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