São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Cemitério japonês no interior de SP é único da América Latina

Área onde estão enterradas 784 pessoas, entre japoneses e descendentes, fica em Álvares Machado, oeste do Estado

Primeiros mortos no local tombado pelo patrimônio histórico datam da década de 20, quando houve uma epidemia de febre amarela

JULIANA COISSI
ENVIADA ESPECIAL A ÁLVARES MACHADO

O aposentado Mário Ogassawara, 77, é guardião de um bem importante na pequena cidade de Álvares Machado, no oeste paulista (a 578 km da capital). Filho de pioneiros japoneses que chegaram à cidade para "fazer a vida" em 1918, Ogassawara é o responsável pelas chaves do primeiro e único cemitério apenas de japoneses da América Latina -título confirmado pelo Consulado Geral do Japão em São Paulo-, que foi tombado como patrimônio histórico nos anos 80.
Na década de 20, Álvares Machado, que tinha a maior parte da sua área ocupada por mata virgem, foi atingida por uma epidemia de febre amarela que matou muitos pessoas, incluindo os recém-chegados japoneses. Kussushigue e Kazumassa, tio e avô de Ogassawara, foram das primeiras vítimas.
Por decisão dos parentes, os dois foram sepultados em um sítio da família, já que o cemitério mais perto ficava em Presidente Prudente, uma distância de 15 km que era percorrida a pé. O pai da aposentada Emília Matsumoto, 69, então um rapaz de 18 anos, era um dos escalados para carregar os caixões.
"Uma vez, ele mal chegou de volta e já tinha outro morto por causa da epidemia. No total, foram cinco corpos seguidos que tiveram que levar", conta ela.
Depois de optar por enterrar no próprio sítio os dois parentes, a família Ogassawara passou a ser procurada por outros imigrantes de luto. Decidiram, então, em 1920, doar cinco alqueires do sítio para construir o cemitério e uma escola.
No "ohaka", cemitério em japonês, de Álvares Machado estão enterradas 784 pessoas, entre japoneses e descendentes diretos. Há uma única exceção, logo justificada: Manoel, um brasileiro, ganhou seu jazigo no espaço japonês porque foi assassinado defendendo uma família japonesa de um jagunço que queria matá-la durante a madrugada para tomar o sítio.
O cemitério passou, então, a receber não só vítimas de febre amarela e de doenças tropicais. Tooru Tachibana, tio-avô da professora de estatística Vilma Tachibana, é um dos que foram enterrados no local. Ele morreu com 20 anos por ferimentos de luta de sumô.
Também estão sepultadas ali muitas crianças que nem sequer atingiram os dez anos: muitas delas sofriam com a alimentação escassa.
Além dos túmulos, os imigrantes construíram no local uma capela para orações de budistas. Como católicos também foram enterrados no cemitério, a colônia permitiu que fossem colocadas uma cruz e imagens de Nossa Senhora e de Jesus.
Boa parte da conversão de japoneses ao catolicismo se deve ao trabalho do monsenhor Nakamura, que, segundo a comunidade, foi o primeiro padre japonês enviado ao Brasil, em 1923. Há um processo no Vaticano que busca a beatificação do religioso (leia texto ao lado).
O "ohaka" funcionou até 1942, quando o então presidente Getúlio Vargas decidiu fechá-lo -durante a Segunda Guerra Mundial, uma série de medidas foi adotada pelo governo contra as comunidades japonesas por pertecerem a uma nação inimiga.
"O povo ficou triste quando fechou. A partir dali, os japoneses passaram a ser enterrados no cemitério municipal de Machado", conta Ogassawara.
Os familiares dos japoneses mortos continuaram, porém, a fazer suas orações no local. Os portões são abertos duas vezes por ano: no Dia de Finados e em julho para uma celebração chamada Shokonsai (convite às almas). O cemitério foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de SP).


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