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URBANIDADE
Um porão supremo
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Um dos palcos mais importantes na vida do pianista
e compositor Benjamin Taubkin
é o porão de 300 metros quadrados da casa de número 1.000 da
rua Oscar Freire. A partir do
próximo mês, o espaço passa para a história -não resistiu à supremacia das grifes que imperam nos Jardins. "É uma história
que se fecha", diz Benjamin, fundador da Orquestra Popular de
Câmara e arranjador da aplaudida trilha do balé "Samwaad -
Rua do Encontro", de Ivaldo
Bertazzo.
Por achar que os músicos instrumentais brasileiros não tinham uma gravadora disposta a
divulgá-los, Benjamin foi um
dos criadores, em 1996, do selo
Núcleo Contemporâneo -um
projeto tão visível comercialmente como o porão da Oscar
Freire. O palco improvisado do
porão foi para eles uma espécie
de misto de vitrine com laboratório de experimentações, que se
tornou conhecido por músicos de
várias partes do mundo em passagem pela cidade. "Tínhamos à
nossa disposição um excepcional
piano, o que é raríssimo de encontrar num bar."
O reduto se desfaz agora porque o bar em que era acolhido, o
Supremo, não resistiu à especulação imobiliária. A grife espanhola Custo Barcelona adquiriu
o imóvel. Entre os clientes da
marca estão a atriz Julia Roberts
e a ex-modelo Claudia Schiffer.
Não é exatamente um batalhão
fácil de enfrentar por gente interessada menos nas grifes do que
na experimentação musical.
Benjamin conta que, quando
começou a tocar, a referência
obrigatória dos músicos instrumentistas brasileiros era o jazz.
Uma nova geração passou a se
inspirar mais nas produções nacionais -e isso se deve, em parte, à troca de conhecimento que
ocorria no piso subterrâneo do
Supremo. Para ele, está acontecendo o que chama a "lei" de
Caetano Veloso sobre a cidade,
exposta na letra de "Sampa": a
"força da grana que ergue e destrói coisas belas". "É assim mesmo, temos de entender os novos
tempos", resigna-se Benjamin.
Não se sabe onde e quando (ou
se) o Supremo vai ser reerguido.
Mas Benjamin e sua tribo de experimentadores não têm dúvida
de que, também segundo a "lei"
de Caetano, terão sempre um
porão. "Outro lugar vai surgir
para abrigar essa inquietude."
E-mail - gdimen@uol.com.br
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