|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DEBATE
Proposta de emenda constitucional que associa arrecadação da Previdência à Saúde aguarda votação desde 93
Governo precisa vincular recursos à Saúde
"O PAS foi implantado em São Paulo a toque de caixa, em 14 módulos, o que impedia o controle"
|
Jorge Roberto Pagura
"A grande mudança vai ocorrer quando pudermos parar de gastar o grosso do dinheiro na rolagem da dívida externa"
|
Raul Cutait
Cutait - O conceito de filantropia deve ser avaliado, não só do
ponto de vista de definição, mas
basicamente de implicações.
Quando se fala que isenções fazem parte de filantropia, fazem
mesmo, no mundo inteiro. É um
dos estímulos para que a sociedade civil assuma sua cota de responsabilidade social.
Mas não é o único e talvez nem
o mais importante. O mais importante é o despertar para a participação, que pode vir da isenção,
da religiosidade ou de qualquer
outro estímulo. Esse é muitas vezes o primeiro passo para doações, que podem ser estimuladas
por meio de leis como essas de tributação sobre heranças.
Mas existem muitas experiências de gente que doa não porque
vai cair no Imposto de Renda,
mas porque acredita na sua responsabilidade. O que falta é definir exatamente aquilo que pode
ser considerado filantropia no
nosso país e, quando se destina
dinheiro à filantropia, que se
criem situações nas quais auditorias sejam feitas e em que haja punições tanto para quem finge que
dá como para quem finge que usa.
Quando se falava em filantropia, falava-se em caridade, voluntariado. Aí a terminologia virou
benemerência. E hoje o que se usa
como filantropia é, na verdade,
chamado de terceiro setor.
O terceiro setor é uma força
emergente sob todos os aspectos
-político, econômico e de recursos humanos. O terceiro setor significa 9% do PIB americano e 7%
dos empregos nos EUA. Então,
ele significa a necessidade da participação social da sociedade civil,
reconhecendo que o setor público
nem sempre é competente para
executar suas próprias propostas.
E mostrando que, a partir do
momento em que o setor público
se propõe a trabalhar mais as políticas, as normas de controle, e deixar para a sociedade civil executar
as coisas, isso pode gerar melhores resultados em razão de cada
tostão gasto.
Estamos no seguinte impasse: o
setor filantrópico tem peso no
dia-a-dia do atendimento à saúde. Mas ele precisa ser reavaliado,
redefinido. Precisam ser melhor
esclarecidas as características de
uma entidade filantrópica na área
da saúde. Justamente para evitar
excessos que temos visto em vários dos setores sociais que se beneficiam de isenções.
O setor filantrópico deve esquecer a gratuidade, deve ter suas
isenções, mas estas devem ser
transformadas em atendimento
para o SUS, não apenas em nível
de internação, mas em nível de
um atendimento mais global,
atendimento ambulatorial, prevenção, reabilitação e outras áreas
de atuação.
TABELA SUS
Ferreira - O reajuste da tabela
não deve ocorrer de forma linear.
Há alguns procedimentos que são
até compensadores em uma margem de ganhos normal. Em contrapartida, temos consultas médicas que custam R$ 2,50, o que é
uma vergonha nacional. É preciso
fazer um estudo por técnicos do
ministério. Precisamos de aumentos localizados na tabela. Não
adianta dizer que ela está defasada em mais de 40% porque o governo não vai conseguir cobrir essa defasagem.
Pagura - É preciso avaliação
parcimoniosa e específica da tabela. Estudo da Fipe mostrou que
entre julho de 94 e maio de 99 os
custos da saúde aumentaram cerca de 109%. Enquanto isso, só
houve reajuste de 25% em 95 para
os prestadores de serviço.
O grande problema é que 78%
dos hospitais têm atendimento de
menor complexidade, cuja remuneração é extremamente pequena. Algumas consultas custam R$
2,50 e, algumas diárias de internação, R$ 7. Sabemos que um aumento linear de 30% ou 40% nessa tabela tem impacto brutal no
orçamento, o que preocupa muito a equipe econômica.
Pinotti - A grande maioria dos
pagamentos da tabela não cobre
os custos. Acho que a tabela do
SUS é uma excelente ajuda de custo para um hospital público que
tenha orçamento quando ele
atende uma quantidade grande
de pacientes.
Eu vivi dez anos a experiência
de gestão do Hospital Pérola
Byington, nós nunca cobramos
de um doente privado. Sempre tivemos um orçamento extremamente restrito, por questões até
políticas, mas tínhamos um atendimento maciço da população.
Não tínhamos a tabela diferenciada de hospitais universitários, que
paga 70% a mais que a tabela do
SUS, e sempre o hospital sobreviveu oferecendo um atendimento
médico absolutamente correto,
bem diferenciado e consensualmente bom na cidade e no Estado
de São Paulo. Portanto, a tabela
como está é uma ajuda de custo
importantíssima para os hospitais públicos.
O que acontece é que, na história do credenciamento dos hospitais privados, não se seguiu o que
deveria ter se seguido, que era credenciamento suplementar do
hospital privado.
Ou seja, onde o hospital público
esgotou as possibilidades de atuação, contrata-se um hospital privado. Ou onde o hospital público
não tem uma determinada área
de diagnóstico ou de tratamento,
contrata-se um hospital privado.
Então, as tabelas têm de ser renovadas no contexto de uma renovação do critério de contratação e de convênios de hospitais.
FINANCIAMENTO
Pagura - Hoje se clama por custeios dignos na saúde. É preciso
obrigar o governo a manter um
investimento fixo. Nesse sentido,
temos de lutar pela aprovação da
PEC 169 (proposta de emenda
constitucional que vincula uma
porcentagem fixa da arrecadação
da previdência social para a área
da saúde), que desde 93 está para
ser votada. Ela é extremamente
importante para que a gente possa definir um critério de saúde como foi feito com a educação, mas
ainda não foi votada.
Se tivesse sido posta em prática
há algum tempo, com delineamento principalmente nas áreas
de prevenção e programas de saúde, talvez não tivéssemos vivendo
a volta de algumas epidemias.
Pinotti - Eu votei a favor da PEC
169, mas infelizmente a PEC ainda
é muito tímida, porque fala em
30% do dinheiro da previdência
social, e o dinheiro da previdência
é manipulado pelo governo. Portanto, 30% do dinheiro da Previdência Social acaba sendo os 30%
que o governo quer que seja.
A minha proposta de PEC é vincular uma porcentagem do PIB à
saúde, o que seria uma forma
mais fácil de controle, como é nos
demais países.
Cutait - O dinheiro não está
sendo adequadamente empregado, mas todos sabem que o dinheiro é curto. Existe a necessidade de criar um modelo de gestão
mais ágil, e a administração pública engessa a gestão, e é aí que
ocorre muito da malversação dos
fundos, gerando produtividade
menor.
O terceiro aspecto é a motivação
do profissional de saúde. O médico brasileiro (segundo enquete
feita pela Fiocruz há dois anos) reclama mais da dificuldade de se
educar do que dos próprios salários e das condições de trabalho.
Programas de educação continuada têm de fazer parte do horário de trabalho inclusive. O indivíduo tem de ser estimulado a melhorar seus conhecimentos porque isso dá a ele condição melhor
de resolver seus problemas do
dia-a-dia.
Nós temos que aprender que tudo é questão de time. Não existem
mais os médicos que resolvem tudo sozinhos. A dinâmica de trabalho tem de ser diferente. Isso passa por um modelo de gerenciamento novo e que é extremamente truncado na administração pública dentro das atuais limitações
que a lei impõe.
Uma dinâmica de integração do
setor público com o privado deve
ser vista como forma de favorecer
o melhor aproveitamento dos recursos limitados. A grande mudança vai ocorrer, na verdade,
quando pudermos parar de gastar o grosso do dinheiro arrecadado na rolagem da dívida externa,
que é hoje 3,5 vezes o que se gasta
por ano na saúde.
GERENCIAMENTO
Cutait - O programa de saúde
da família tem mostrado melhores resultados com menos investimentos. No Estado de São Paulo
apareceu uma variação que foi o
Projeto Qualis. Qual é a grande diferença? O fato de ter associado
uma instituição ligada ao terceiro
setor. É o Hospital Santa Marcelina cuidando de alguns módulos, a
Fundação Zerbini, de outros,
dando agilidade administrativa,
agilidade de decisões, complementação de verbas, dando chance para que os médicos possam
receber melhor e se dedicar integralmente à sua atividade no
Qualis.
Grau de satisfação do usuário,
dos profissionais e dos médicos.
Isso é uma maneira prática de
provar que o terceiro setor tem
peso, sim, na atenção pública.
Como inserir o terceiro setor no
jogo? Quais os estímulos para que
a sociedade civil participe? Pode
ser religioso, vontade de participação social, estímulo econômico, porque vale a pena de alguma
forma, estímulo de imagem, estímulo advindo de isenções fiscais.
A partir do momento que qualquer um desses for utilizado, pode ser criada uma situação nova
para o setor público e para a saúde.
Pagura - As cooperativas do
PAS deram maior ganho para o
médico, fixaram-no nessa cooperativa, deram uma agilidade de
ação. Só que faltou uma coisa fundamental, controlabilidade. Na
mudança do PAS para o Sims,
criamos um programa cooperativado melhor formatado, com um
mecanismo de controle pré-auditado, no qual cooperativas têm
autonomia, mas com uma controladoria por trás. Toda implantação de um modelo novo deve
ser lenta, progressiva, com avaliação de suas deficiências.
O PAS foi implantado a toque
de caixa, em 14 módulos, o que
impedia o controle. Por isso tivemos de retroceder para quatro
cooperativas. Na questão do terceiro setor, é preciso não incorrer
no erro incorrido no PAS.
Pinotti - O PAS precisa ser analisado com muita isenção e com
muita neutralidade. O PAS tem
coisas boas e ruins. As coisas
boas: a descentralização, o pagamento adequado e digno dos
profissionais de saúde, a gratuidade das ações de saúde (não há
segunda porta no PAS).
Mas a liberdade que se deu,
transformando dinheiro público
em dinheiro privado, gerou fraude. Parece que isso está sendo
corrigido.
A outra questão que a meu ver
tem que ser corrigida é que o PAS
anterior recebia uma quantidade
fixa de recursos pelo número de
habitantes potencialmente cadastrados. E quanto mais dinheiro
sobrava, maior a possibilidade de
remuneração. Isso acaba estimulando a prática de menos ações de
saúde, menos operações, menos
remédios.
Texto Anterior: Dupla porta Próximo Texto: Saúde: Estudo relaciona falta de escolaridade com gravidez Índice
|