São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2006

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depoimento

Uma aula de "cordialidade" em Congonhas

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Jean Paul Sartre (1905-1980) já dizia: "O inferno são os outros". Uma breve panorâmica da sala de embarque do aeroporto de Congonhas, na última quinta-feira, dia de Finados, daria total razão ao filósofo existencialista francês. E, por conseqüência, um baita crédito aos funcionários das empresas aéreas, no caso imbuídos da hercúlea tarefa de encontrar alguma forma de conter a fúria de gente que, só porque havia comprado um bilhete, achava-se impregnada de uma autoridade acima do Bem e do Mal.
Passei quatro horas esperando por um vôo nesse dia. Cansativo, revoltante, é claro. No final, desisti e fui para casa. Mas, se me perguntarem sobre o que mais me deixou irritada com relação a esse dia desperdiçado em minha vida, eu diria que não foi a espera, a desinformação, o caos ao meu redor, a quantidade de pães-de-queijo que tive de engolir para aplacar a fome, além das promessas não cumpridas das telas de informação.
Ainda, o que mais me tirou do sério não foi a resposta automática e adestrada que funcionários da Gol, TAM e afins estavam orientados a soltar para acalmar a turba: "não há previsão", "a senhora deve esperar no salão de embarque", "o senhor deve se dirigir ao guichê tal" etc.
O que mais me perturbou, certamente, foi ver revelar-se nas pessoas que ali aguardavam a cordialidade em sua forma mais negativa (como nos mostrou ser possível o historiador Sérgio Buarque de Holanda), misturada a um egoísmo de classe incontível: "Vocês não conhecem os "meus" direitos", "quero saber quem manda aqui", "vocês sabem com quem estão falando?", "porque o "meu" filho está me esperando", "não está vendo que estou com uma criança no colo...".
Ou seja, sempre "o "meu" dinheiro", "o "meu" feriado", e por aí vai. Cidadania? Zero. Interesse pelo contexto político da situação? Idem. Como resolver um problema que envolve e afeta a sociedade sem pensar além do próprio umbigo? Difícil, não?


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