São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2008

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WALTER CENEVIVA

Justiça dá direito

O conceito de direito e justiça varia de pessoa para pessoa, já que o direito é uma técnica e a justiça é um sentir

CONSIDERANDO QUE ESTA é a primeira coluna de 2008, considerando que o número do ano é formado, em parte, por dois zeros e um oito (este pode ser visto, se deitado, como o símbolo do infinito), resolvi aproveitar a idéia do zero ao infinito para propor uma questão simples ao leitor, desdobrada em duas partes: direito e justiça são realidades diversas? Se você respondeu sim, são diversas, é possível fazer justiça com o direito?
O sofista (inspirado por aqueles gregos dos tempos de Sócrates que, sob aparência de argumentação verdadeira, deturpavam a conclusão) logo proclamaria a impossibilidade de responder a tais perguntas, sem antes definir o conteúdo e os valores envolvidos nesses dois termos.
Em geral não gosto dos sofistas, porque só entram no rio da discussão para erguer barreiras contra o desenvolvimento qualificado do debate. Transformam as idéias em um deserto. Assim sendo, a oposição do sofista seria atacada como construção diversionista, para confundir. Cada pessoa, qualquer que seja sua visão de direito e justiça, está habilitada a responder às duas perguntas.
O conceito de direito e justiça varia, porém, de pessoa para pessoa, já que direito é uma técnica e justiça é um sentir. São realidades heterogêneas, conforme ilustres pensadores vieram conceituando no curso dos milênios. O reconhecimento de que as perguntas já têm séculos de formulação acaba desaguando nas questões sobre a possibilidade de realizar a justiça por meio dos instrumentos e mecanismos de seres humanos, que atuam o direito.
Ou seja: com o direito você consegue justiça? Lá vem o sofista com outra impugnação: se o colunista da Folha aceita que as duas palavras dizem respeito a conceitos quase incompatíveis, já reconheceu a impossibilidade da resposta positiva. Novamente discordo. Se a Justiça é um ideal inerente à natureza do ser humano e o direito é uma forma de a realizar ou de a possibilitar, basta aprimorar os sistemas e as estruturas destinados a dar efetividade ao direito para termos justiça. Se não for assim, ficaremos como o peru na roda, da qual ele não sabe como sair, embora apenas pintada no chão com giz ou carvão.
Se o leitor teve paciência para chegar até aqui, quero, eu mesmo, fazer uma crítica aos parágrafos anteriores. Eles compõem uma série de dúvidas que, tomadas em si mesmas, não levarão a coisa alguma, posto que estéreis. As mesmas dúvidas também são suscitadas há milênios, sem chegar a alguma posição definitiva, clara, universal. Os juristas, quando escrevem a respeito, com estilo e terminologia de seu ramo, complicam a solução.
Um caminho parece viável. Apenas viável, pois a viabilidade vem composta sobre a certeza de estar presente em nosso espírito ou em nossas esperanças, desde tenra idade, o anseio da justiça. É o que se mostra em cada reclamação, em cada pretensão de soluções justas, alcançáveis através do direito, para necessidades ou premências do simples existir. No começo de um ano, a idéia do zero e do infinito, com a qual comecei, deve indicar, pelo menos, que a caminhada entre os dois pólos é sempre possível. Fazer a caminhada depende de nós, com natureza de criatividade autônoma, como contribuição nossa para o aprimoramento da humanidade. Um dia chegaremos lá.


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