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WALTER CENEVIVA
Justiça dá direito
O conceito de direito e justiça varia de pessoa para pessoa, já que o direito é uma técnica
e a justiça é um sentir
CONSIDERANDO QUE ESTA é a
primeira coluna de 2008,
considerando que o número
do ano é formado, em parte, por dois
zeros e um oito (este pode ser visto,
se deitado, como o símbolo do infinito), resolvi aproveitar a idéia do
zero ao infinito para propor uma
questão simples ao leitor, desdobrada em duas partes: direito e justiça
são realidades diversas? Se você respondeu sim, são diversas, é possível
fazer justiça com o direito?
O sofista (inspirado por aqueles
gregos dos tempos de Sócrates que,
sob aparência de argumentação verdadeira, deturpavam a conclusão)
logo proclamaria a impossibilidade
de responder a tais perguntas, sem
antes definir o conteúdo e os valores
envolvidos nesses dois termos.
Em geral não gosto dos sofistas,
porque só entram no rio da discussão para erguer barreiras contra o
desenvolvimento qualificado do debate. Transformam as idéias em um
deserto. Assim sendo, a oposição do
sofista seria atacada como construção diversionista, para confundir.
Cada pessoa, qualquer que seja sua
visão de direito e justiça, está habilitada a responder às duas perguntas.
O conceito de direito e justiça varia, porém, de pessoa para pessoa, já
que direito é uma técnica e justiça é
um sentir. São realidades heterogêneas, conforme ilustres pensadores
vieram conceituando no curso dos
milênios. O reconhecimento de que
as perguntas já têm séculos de formulação acaba desaguando nas
questões sobre a possibilidade de
realizar a justiça por meio dos instrumentos e mecanismos de seres
humanos, que atuam o direito.
Ou seja: com o direito você consegue justiça? Lá vem o sofista com
outra impugnação: se o colunista da
Folha aceita que as duas palavras
dizem respeito a conceitos quase
incompatíveis, já reconheceu a impossibilidade da resposta positiva.
Novamente discordo. Se a Justiça é
um ideal inerente à natureza do ser
humano e o direito é uma forma de
a realizar ou de a possibilitar, basta
aprimorar os sistemas e as estruturas destinados a dar efetividade ao
direito para termos justiça. Se não
for assim, ficaremos como o peru
na roda, da qual ele não sabe como
sair, embora apenas pintada no
chão com giz ou carvão.
Se o leitor teve paciência para
chegar até aqui, quero, eu mesmo,
fazer uma crítica aos parágrafos
anteriores. Eles compõem uma série de dúvidas que, tomadas em si
mesmas, não levarão a coisa alguma, posto que estéreis. As mesmas
dúvidas também são suscitadas há
milênios, sem chegar a alguma posição definitiva, clara, universal. Os
juristas, quando escrevem a respeito, com estilo e terminologia de seu
ramo, complicam a solução.
Um caminho parece viável. Apenas viável, pois a viabilidade vem
composta sobre a certeza de estar
presente em nosso espírito ou em
nossas esperanças, desde tenra idade, o anseio da justiça. É o que se
mostra em cada reclamação, em cada pretensão de soluções justas, alcançáveis através do direito, para
necessidades ou premências do
simples existir. No começo de um
ano, a idéia do zero e do infinito,
com a qual comecei, deve indicar,
pelo menos, que a caminhada entre
os dois pólos é sempre possível. Fazer a caminhada depende de nós,
com natureza de criatividade autônoma, como contribuição nossa
para o aprimoramento da humanidade. Um dia chegaremos lá.
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