São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2008

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Em 1 ano, quase dobra nº de adolescentes internados por tráfico

Entrada de jovens na antiga Febem por crimes como roubo qualificado ou homicídio doloso se estabilizou ou até caiu

Em dezembro de 2006, tráfico era responsável por 18,1% das internações na instituição; no mesmo mês de 2007, subiu para 28%

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele diz que nunca consumiu drogas nem usou armas. Desde os 13 anos, ganhava mais dinheiro do que o pai, um pedreiro em Biritiba-Mirim (Grande São Paulo). Construiu sua própria casa ainda adolescente.
Carlos (nome fictício), agora com 18 anos, enumera assim sua lista de motivos que o fizeram entrar para o tráfico de drogas. "Foi por dinheiro mesmo", resume ele, interno de uma unidade da Fundação Casa (ex-Febem), no Arujá, na Grande São Paulo.
O dinheiro supostamente fácil que atraiu Carlos também ajuda a explicar, segundo a fundação, a explosão de internações pelo crime de tráfico de drogas em 2007.
O número de internações quase dobrou em apenas 12 meses. Em dezembro de 2007, 1.651 jovens cumpriam medida de internação internação ou de semi-liberdade (passa os finais de semana com a família) por esse crime. No mesmo mês, em 2006, eram 912 jovens -aumento de 81%.
O roubo qualificado continua sendo a principal causa de internação. Mas o tráfico, segundo no ranking, apresenta um grande crescimento. Em dezembro de 2006, o tráfico era responsável por 18,1% das internações. No mês passado, o percentual cresceu para 28%.
Mesmo sem um levantamento específico, especialistas e autoridades ligados à área da infância e juventude acreditam que esse aumento tenha duas explicações: o maior envolvimento dos jovens com o tráfico (em detrimento de crimes como roubos e latrocínios) e o crescimento do rigor da Justiça com os adolescentes.
Pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o jovem só pode ser internado se for reincidente no tráfico de drogas -na primeira vez em que o adolescente é detido, é encaminhado para liberdade assistida.
Mas juízes, muitas vezes, decidem aplicar a punição mais severa a jovens já na primeira prisão, segundo Karyna Sposato, consultora da Unicef para assuntos da infância e juventude. "Para dar uma resposta à sociedade, acaba-se tendo uma maior intolerância com os jovens envolvidos com o tráfico", disse Karyna.
Segundo ela, o fenômeno pode significar também o aumento da repressão policial, e não o crescimento do envolvimento dos jovens com o tráfico. "Eles são a parte mais descartável e vulnerável. São os primeiros a serem capturados pela repressão policial."
Para Flávio Frasseto, coordenador do núcleo especializado de infância e juventude da Defensoria Pública de São Paulo, o aumento do rigor da Justiça em relação ao envolvimento dos jovens pode ser a causa principal do aumento das internações, mas ainda faltam dados científicos para explicar o fenômeno. "O que temos são apenas impressões empíricas."
O desembargador Antonio Carlos Malheiros, da coordenadoria de infância e juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, admite que o rigor de alguns juízes pode explicar parte do aumento das internações.
Mas ele afirma que a principal causa é o aumento do envolvimento de jovens com o tráfico. "Por culpa do Estado, o tráfico se transformou, entre aspas, em um emprego excelente para os jovens da periferia. Isso não há como negar."
Carlos garante que nunca usou nenhuma droga. "Eu não gosto do jeito como as pessoas ficam. E também gastam dinheiro demais", afirmou. Internado há sete meses, ele afirma ter apreendido a dar valor ao trabalho do pai. "Quero trabalhar, estudar", diz ele, pai de um garoto de um ano e três meses.


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