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depoimento
Duas missas, duas impressões
BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA
Foi a segunda missa de sétimo dia de uma pessoa jovem a que compareci em menos de dez dias. O contraste
não poderia ser mais notável.
Na quarta-feira, 26 de março,
estive presente na missa pela
alma do neto do presidente
do Masp, Júlio Neves.
Luis Antonio morreu aos
19 anos, em um acidente de
automóvel, e a igreja de Santa Terezinha, no bairro de
Higienópolis, estava lotada
de jovens com ar consternado que se consolavam continuamente uns aos outros e
não paravam de chorar.
Ontem, o cenário na paróquia de Nossa Senhora da
Candelária, na Vila Maria,
nem sequer lembrava o de
uma missa de sétimo dia.
Muito menos da missa pela
alma de uma menina de apenas cinco anos, morta de maneira violenta, possivelmente, segundo a polícia e o Ministério Público, pelas pessoas que mais deveriam zelar
por sua segurança.
A missa de Isabella Oliveira Nardoni reuniu mais de
mil pessoas -entre familiares, amigos, coleguinhas de
escola, curiosos e jornalistas.
Eu passei a maior parte do
tempo ao lado do altar, de
onde avistava praticamente
a igreja toda. E não vi lágrimas ou percebi qualquer revolta nas pessoas que me rodeavam.
Crianças corriam e brincavam sob o nariz do padre,
fiéis sorriam, cantavam e batiam palmas como se não
houvesse amanhã e o pessoal
do grupo de oração recebia
os repórteres das várias
emissoras de TV presentes
como se estivéssemos todos
em um certo clima festivo.
Resolvi fitar Ana Carolina,
24, mãe da criança morta, como se uma observação mais
atenta pudesse me ajudar a
entender o que estava acontecendo.
Se alguém não tivesse me
dito quem ela era, eu nunca
teria adivinhado. Ao longo de
toda a cerimônia, Ana Carolina manteve aquele tipo de
serenidade que só pessoas
profundamente espiritualizadas conseguem demonstrar. Sem precisar do ombro
de ninguém, ela rezou, cantou e sorriu para as amiguinhas da filha que a cercavam,
como se dali a pouco Isabella
fosse entrar pela porta e correr para abraçá-la.
Na missa do neto do presidente do Masp pairava um
sofrimento no ar que podia
ser talhado por uma faca. Na
de Isabella, a morte foi encarada com uma generosa porção de conformismo. Como
se as pessoas que lá estavam
tivessem um grau de intimidade com destinos trágicos
que a classe A desconhece.
Eu havia ido à missa pensando que sairia de lá sabendo um pouco mais sobre a
maneira que Isabella encontrou a morte. Não descobri
nada de novo sobre o crime
para relatar ao nobre leitor.
Mas fui para casa feliz por
imaginar que a mãe da menina cuja morte chocou São
Paulo hoje conseguirá dormir, talvez, um pouco mais
em paz.
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