São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

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WALTER CENEVIVA

De águas, florestas e cerrados

É indigno desta geração suprir suas ambições econômicas à custa do sacrifício das próximas

CONSIDERADA PULMÃO do planeta Terra, a floresta amazônica é o trecho mais conhecido de nosso país pelos ambientalistas do mundo, com o acréscimo de que somos descuidados em preservá-la. Houve até propostas hipócritas de sua internacionalização, antes e depois do desmatamento extensivo. Panorama diversificado, também ambiental, mas menos visível, se encontra em outros Estados, servindo de exemplo as ofensas ambientais do Norte-Nordeste.
Não deveria ser assim. Muitos dispositivos da Constituição se voltam à preservação ecológica, em especial no artigo 225. Começa dizendo do direito de todos ao ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida.
O plano da realidade constitucional não coincide com a realidade física. O poder público e a coletividade não cumprem seu dever na defesa de boas condições ambientais. É indigno desta geração suprir suas ambições econômicas à custa do sacrifício das próximas gerações.
Não é só. A variedade dos ataques ao ecossistema passa por obras que beneficiam, a curto prazo, milhões de pessoas, mas sacrificam o futuro. Imensos lagos artificiais, como o de Itaipu, subindo o Paraná, além de nos roubar a catarata das Sete Quedas, alteram o ecossistema regional.
A barragem do rio Madeira parece outra prova de que o poder público falha na missão de preservar ou restaurar os processos ecológicos essenciais e o manejo das espécies e dos ecossistemas.
É de se lamentar que a deficiência tem inspirado relativamente poucos processos submetidos ao Judiciário. Deixando a exuberância da Amazônia, o cerrado centro-nordestino reforça a crítica. Foi objeto de decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em face da concessão de todas as licenças ambientais para que uma multinacional instalasse, no Piauí, uma indústria para recepção e processamento de grãos. A desembargadora federal Selene Maria de Almeida, da 4ª Turma do TRF-1, relatora da ação civil pública impugnando as licenças concedidas, constatou que não foram contemplados vários pontos relevantes que recomendariam a negativa da licença.
A desembargadora Selene se reportou a dados colhidos em imagens captadas por satélites, apontando que 5% do cerrado já foi destruído. Está no acórdão que o "desmatamento indiscriminado do cerrado piauiense, sob o argumento de que as empresas criam empregos", não merece ser mantido, "pois pode haver atividade economicamente sustentável desde que as empresas estejam dispostas a diminuírem seus lucros". Para tanto, teriam de se utilizar "de matrizes energéticas que não signifiquem a política de terra arrasada".
A decisão, sujeita a recurso, mostra que o enfoque dado na argumentação também se poderia aplicar, mas não tem sido aplicado, ao desmatamento da floresta amazônica e a todas as ofensas ecológicas cometidas -até mesmo em usinas elétricas alimentadas por árvores derrubadas sob a desculpa de se criar mais empregos nas regiões modificadas.
Mesmo que não seja o pulmão do mundo, é intolerável a destruição da floresta, sem pensar em sua importância para a saúde dos que nela vivem. As próximas gerações não nos perdoarão.


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