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GILBERTO DIMENSTEIN
Doença da esculhambação
Intoxicação é uma das principais causas de internação nos
prontos-socorros das grandes cidades brasileiras.
Centralizando dados de 30 centros especializados em intoxicação, os arquivos da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio, revelam que
ano a ano cresce o número de
vítimas.
Ali se detecta uma suave amostragem. De acordo com estimativas do Banco Mundial, haveria
12 mil vítimas por dia, matando
120 delas, em especial crianças
que engoliram inadvertidamente
doses excessivas de medicamentos, produtos de limpeza ou inseticidas.
Raras estatísticas revelam com
tanta nitidez a esculhambação
brasileira com a vida humana,
num casamento da irresponsabilidade empresarial e omissão do
poder público.
Desde o início da década de 90,
tramitam no Congresso projetos
de lei obrigando as empresas de
medicamentos e produtos de limpeza a terem embalagens de segurança.
Embalagem de segurança é, há
mais de uma década, cautela elementar nas nações civilizadas.
Qualquer indivíduo com um
mínimo de sanidade sabe como é
perigoso favorecer o contato de
seres sem discernimento com produtos químicos.
Apesar da obviedade, não há
previsão de aprovação de medidas mais duras de segurança aos
produtos tóxicos.
"Chegamos ao descalabro em
que são vendidas vitaminas nas
quais as embalagens, sem nenhuma proteção especial, têm desenhos de histórias em quadrinhos", protesta Rosany Bochner,
do Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo
Cruz.
As estatísticas da Fiocruz mostram que, de cada 100 vítimas, 33
não completaram quatro anos de
idade.
"É o reino da insensatez", afirma o pediatra Antony Wong, responsável pelo Centro de Assistência Toxicológica da Universidade
de São Paulo.
"Vivemos literalmente o salve-se-quem-puder", critica o médico sanitarista da Sociedade
Brasileira de Vigilância dos Medicamentos (Sobravime) -sinal
do salve-se-quem-puder, aliás, é
para ele o fato de que existe toda
uma legislação orientando a publicidade de remédios que nunca
cumprida e nem sequer fiscalizada.
Antony Wong já se acostumou
a ver crianças entrarem nos
prontos-socorros contaminadas
por soda cáustica, água sanitária, antidepressivos, desinfetantes, aspirinas, descongestionantes
nasais e antigripais.
Ele testemunhou crianças que
ingeriram esses remédios sofrerem parada respiratória e do coração.
O Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor (Idec) analisou
um descongestionante, vendido
em versão para adultos e crianças.
Gravidade: se uma criança tomar a versão destinada aos adultos, corre risco de vida.
Alerta do Idec: as duas versões
de embalagens são extremamente
semelhantes.
"O risco se torna ainda maior",
afirma o farmacêutico Rogério
Renato Silva, do Idec.
Esses desastres, facilmente evitáveis, apenas reforçam a visão
de que a impunidade é o mais
grave problema político brasileiro.
E a mazela começa dentro de
casa. No caso, nas prateleiras.
PS - Por acreditar que a impunidade é um das mais graves problemas nacionais, sou levado a
afirmar que o governo Fernando
Henrique acabou.
Pode até renascer no próximo
mandato; mas, agora, está moralmente no chão.
O leitor habitual sabe que esta
coluna tem, sempre que possível,
mostrado os lados positivos da
sociedade brasileira. Inclusive no
plano federal, estimulando imbecilóides a classificarem tal postura de chapa-branca.
Continuo achando que a queda
da inflação é um dos grandes fatos do século, por restaurar energia na sociedade brasileira.
Mas ao indicar Renan Calheiros para ministro, o presidente
enterrou a imagem de um governo que tinha como uma das mais
firmes bandeiras o resgate da cidadania.
Como todo político tem a obrigação de saber, não se brinca com
símbolos. O Ministério da Justiça
deveria ser o símbolo da batalha
pelo resgate da cidadania contra
a impunidade generalizada; assim como o Ministério da Fazenda simboliza a austeridade financeira.
Renan Calheiros fazia parte do
esquema de delinquência que levou Fernando Collor à presidência; e só rompeu por ver aspirações pessoais bloqueadas. Está,
agora, sob seu domínio da Polícia
Federal à Secretaria Nacional de
Direitos Humanos.
Talvez seja uma boa solução
para se manter no poder, o que
duvido. Mas, para um professor
que sofreu o exílio, é uma péssima lição.
Será que vale a pena ganhar
mais anos de mandato em troca
de menos respeitabilidade?
É essa questão que ele deve se
fazer ao transformar o Ministério
da Justiça no pior do balcão de
negócios.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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