São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

AMBIENTE

Líquido resultante da decomposição dos corpos pode transbordar para a superfície, além de contaminar águas subterrâneas

"Vazamento" de cemitério é ameaça à saúde

MELISSA DINIZ
MARIANA VIVEIROS


DA REPORTAGEM LOCAL

Histórias de cemitérios são sempre assustadoras, principalmente se não se enquadram na categoria de ficção. Esses locais, que costumam ser evitados apenas pelos supersticiosos, são fontes potenciais de contaminação ambiental e podem colocar em risco a saúde de visitantes, funcionários e até de moradores vizinhos.
Uma pesquisa realizada no cemitério municipal da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, constatou a presença de vírus e bactérias provenientes do necrochorume (líquido resultante da decomposição dos cadáveres) em águas subterrâneas.
Esse líquido pode vazar para a superfície ou, em alguns casos, se espalhar pelo subsolo e contaminar poços e córregos.
A pesquisa, que gerou uma tese de doutorado, foi realizada pelo engenheiro civil e hidrogeólogo Bolivar Antunes Matos, no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo.
Segundo Antunes Matos constatou, fatores como tipo de solo, quantidade de chuvas, colocação do caixão diretamente na terra e profundidade das águas subterrâneas, combinados à falta de higiene, fazem dos cemitérios verdadeiros depósitos de microrganismos nocivos ao ser humano.
Ele visitou o local de 1998 a 2001, colheu amostras de água e utilizou indicadores biológicos e químicos que detectaram os agentes patogênicos.
Durante a pesquisa, Antunes Matos constatou as seguintes situações de risco: uso de água empoçada nas covas para regar plantas; coveiros fazendo exumações sem proteção adequada; restos de caixão e vestes funerárias depositados ao ar livre; e ausência de tratamento dos resíduos sólidos, como manda a legislação.
O pesquisador observou ainda que o cemitério era usado como área de lazer pelas crianças da vizinhança, que ficavam descalças em contato com o lixo.
Segundo infectologistas, a ingestão, a inalação e o contato da pele com esses microorganismos podem causar doenças como febre tifóide, diarréia, gastroenterite e problemas respiratórias, dependendo do grau de contaminação, dos agentes encontrados e do tipo de contato.
"A população do entorno e os funcionários do cemitério estão mais sujeitos à contaminação", afirma o médico sanitarista Jorge Kayano. Segundo ele, o uso de equipamentos de segurança para pessoas que lidam com cadáveres é imprescindível.
Um dos problemas mais graves observados por Antunes Matos foi o vazamento do necrochorume. "Como o solo do cemitério é argiloso, ocorre um empoçamento do necrochorume, que, na época das chuvas intensas, vaza para a superfície e acaba atingindo calçadas e ruas onde andam pessoas e animais."
De acordo com Alberto Pacheco, professor do Instituto de Geociências da USP, que orientou a tese, os cemitérios são fontes potenciais de contaminação e, quando não são tomados os cuidados necessários, esse risco se torna efetivo. "Sabemos que o problema é próprio dos cemitérios municipais e já avisamos a prefeitura. As normas sanitárias não são cumpridas e não há fiscalização."
Em São Paulo, nem a Cetesb, que tem uma norma para implantação de cemitérios, nem a Vigilância Sanitária fiscalizam os cemitérios municipais.
Segundo o Serviço Funerário Municipal, os funcionários de cemitérios dispõem de todos os equipamentos de segurança e não usam por opção.
De acordo com a prefeitura, que afirmou desconhecer o estudo, o novo Plano Diretor, que deve ser enviado à Câmara Municipal em breve, estabelece a substituição gradativa dos cemitérios tradicionais por verticais e o controle do necrochorume.


Texto Anterior: Clínica da PUC tem serviço pioneiro
Próximo Texto: "A chuva trazia ossos e roupa de defunto"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.