São Paulo, quarta-feira, 05 de agosto de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

Doces bárbaros


Não sabia que iria enfrentar a criminalidade das letras dos funks -e, ao mesmo tempo, das ruas de Cidade Tiradentes

O BRIGADO a se vestir com um sisudo uniforme, Ronaldo Barreiros estudava num colégio religioso, dirigido por freiras franciscanas que não apreciavam homens de cabelo comprido e brincos -nem bandas de rock.
Deixou a escola porque gostava de deixar o cabelo crescer, usar brincos e tocar numa banda de rock. Agora, com 30 anos, ele não toca em nenhuma banda, mas tenta inventar a rebeldia do funk. "Podia imaginar muita coisa na minha vida, menos que iria ajudar a produzir funk. E, ainda por cima, fazer sucesso."
Ronaldo comandou o grêmio, filiou-se ao PC do B, tornou-se diretor da União dos Estudantes Secundaristas, em São Paulo, fez cursos de arte em Cuba. Formou-se em história na PUC e, depois, se especializou em relações internacionais. Entrou no serviço público e trabalhou na Subprefeitura da Sé. "Até aí, tudo estava relativamente previsível." Não sabia que iria enfrentar a criminalidade das letras dos funks -e, ao mesmo tempo, das ruas.

 

Quando se tornou, neste ano, subprefeito da Cidade Tiradentes, ele viu que traficantes e criminosos atuavam como uma espécie de produtores culturais, distribuindo dinheiro. Isso ajudava a inflamar as já inflamadas letras dos funks, estimulando a violência e o consumo de drogas, com ataques à polícia e elogios à facção criminosa PCC.
Era ingrediente extra para deixar mais violentas as baladas, que terminavam ao amanhecer, muitas vezes, em brigas. "Joguei a regra do jogo."
Jogar a regra do jogo significava bancar as produções dos discos e viabilizar os shows. Como tinha muitas reclamações dos vizinhos por causa do barulho, aproveitou para determinar que as festas acabassem mais cedo. "Por causa de várias experiências, sabíamos que fechar os bares antes diminui a violência."

 

Para receber apoio, as bandas deveriam moderar a agressividade das letras -até porque não cairia bem para a prefeitura patrocinar elogios às drogas e ataques à polícia.
Toparam as condições e, então, se apresentaram num festival. Espertamente, algumas bandas criaram funks educativos e, assim, sonharam com um disco gravado. "Só não esperávamos que algumas músicas virassem hit por aqui". Afinal, chegaram a falar da importância de estudar e acatar as ordens das mães. O que era esporádico, como o festival e as eventuais gravações, a partir deste mês torna-se permanente.

 

Previsto para ser inaugurado neste mês, o centro cultura, batizado de Estação Juventude, foi montado em uma casa abandonada.
Ali, será possível gravar músicas gratuitamente e apresentar shows, além de ser um local para as mais diversas oficinas. "Estou aprendendo a lidar com a rebeldia."

 

PS- Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) as músicas produzidas pelos jovens. Está aí uma homenagem interessante à rebeldia de Tiradentes -o que se ve lá, até hoje, uma das regiões mais pobres de São Paulo, nada tem a ver com independência.

gdimen@uol.com.br


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