São Paulo, quinta-feira, 05 de setembro de 2002

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Realidade é outra, diz especialista

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Da casa onde mora, em um bairro classe média da zona sul de São Paulo, o estagiário Adriano, 27, diz que precisa caminhar apenas dez minutos para encontrar quem lhe forneça heroína. No Rio, onde viveu até dois anos atrás, "era mais fácil ainda".
"Fiquei nisso anos e conheço os canais, mas quem está fora não chega lá", diz Adriano. "Precisa conhecer, ter influência." Ele acha que um grupo muito pequeno de pessoas -mesmo entre os usuários de cocaína- saberia onde encontrar heroína nessas cidades.
Especialistas também concordam que essa droga é ainda de pouquíssimo consumo no país. São raros os casos de dependentes nos serviços e a maioria começou a usar a droga lá fora. O dado de que um quinto das pessoas considera fácil encontrar heroína "não corresponde à realidade", diz Ronaldo Laranjeira, presidente da Abead, Associação Brasileira de Álcool e Drogas, e diretor da Uniad, Unidade de Álcool e Drogas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Na sua opinião, as pessoas acreditam que um traficante de maconha ou cocaína saberia onde encontrar heroína, o que "não é verdade". "O uso vem crescendo, mas ainda é muito pequeno."
Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Proad, programa de prevenção e tratamento da Unifesp, diz que a pesquisa reflete "um conceito errôneo". "As pessoas vêem uma notícia sobre heroína na mídia e imaginam que saberiam onde achá-la."
Adriano seguiu a trajetória comum a muitos dependentes. "Sem pai, nem mãe", aos 12 anos já fumava maconha e antes dos 18 já tinha que vender papelotes de cocaína para ter a sua parte.
Bebia, fumava maconha, cheirava cocaína e às vezes usava heroína -"cheirada, bebida ou fumada". Ficou preso por "três anos e 57 dias". Quando voltou para a rua, voltou para a dependência.
"Até que não aguentei mais. Aparecia um problema, eu ia da bebida para a droga, gastava tudo. No dia seguinte, não me lembrava como tinha voltado para casa."
Há sete meses Adriano frequenta o Proad e é acompanhado por um terapeuta e a cada 15 dias por um psiquiatra, que o medica. Ontem, comemorava oito dias sem usar álcool nem droga. "Não sei quanto tempo vou ficar assim, mas é uma vitória."
"O programa do Proad contempla sucessos parciais e não tem a abstinência como um pressuposto", diz Xavier da Silveira.
Os modelos de tratamento dividem os profissionais da saúde. Na semana passada, uma conferência internacional no Recife defendeu a idéia de que é mais positivo e realista reduzir os riscos das drogas e do álcool do que pretender acabar com seu uso.
Numa linha mais norte-americana -mais pela abstinência do que pela redução de danos-, começa amanhã em São Paulo o 1º Congresso Internacional de Prevenção e Políticas Públicas em Álcool e Drogas. O encontro é promovido pela Abead-Uniad e tem o apoio da Secretaria Nacional Antidrogas e do Consulado dos EUA em São Paulo.


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