São Paulo, segunda-feira, 05 de setembro de 2005

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MOACYR SCLIAR

Quero meu peso de volta

Justiça manda empresa indenizar funcionária chamada de "gordinha". O nome do trabalhador está incorporado ao seu patrimônio moral e, por isso, ele não pode ser chamado pelo chefe por um apelido pejorativo, segundo o entendimento dos juízes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes condenaram a empresa Control Tower Assessoria Empresarial Ltda. a pagar indenização de R$ 8.000 a uma ex-empregada chamada de "gordinha" pelo diretor da empresa. Folha Online, 29 de agosto de 2005

"Senhor juiz: estou entrando na Justiça porque li a notícia sobre a funcionária que foi indenizada porque o diretor da empresa chamou-a de "gordinha". É que comigo aconteceu a mesma coisa, senhor juiz. Há cerca de dois anos fui contratada para trabalhar numa empresa aqui na capital. Parecia um bom emprego e eu estava muito animada. Entreguei-me às minhas tarefas, que não eram poucas, com a melhor das boas vontades. Devo dizer que sempre fui uma funcionária dedicada e nessa empresa pretendia ser mais dedicada ainda.
Infelizmente, senhor juiz, meu propósito foi frustrado. E foi frustrado por ninguém menos que o diretor da empresa, a pessoa que supostamente deveria me dar apoio. Lá pelas tantas ele começou a me chamar de "gordinha". Sei, este é um termo comum, e pode ser até carinhoso; eu tinha um namorado que só me chamava assim. Mas no caso desse diretor era diferente. Ele queria me ofender. Fazia comparações: dizia que eu era gorda como uma baleia, gorda como um elefante. Que no ônibus eu deveria ser um transtorno para a pessoa sentada a meu lado. E que se eu continuasse engordando acabaria pesando uma tonelada.
Senhor juiz, devo lhe dizer que reconheço: sou gordinha, mesmo. Tenho um 1,60 m e peso 75 quilos. Mas sempre fui gordinha. Desde criança. Na minha família -pai, mãe, cinco irmãos- todos eram magros. A única rechonchuda era eu. E eles me adoravam por causa disso. Todos me chamavam de "minha fofinha". Eu me sentia orgulhosa, eu me sentia amada. Por isso nunca dei importância quando outras pessoas chamavam a atenção para meu peso.
Mas diretor é diretor, senhor juiz. Diretor tem autoridade. Tanto aquele homem falou que acabou me incomodando. Já não podia me concentrar no trabalho, saía-me mal nas tarefas que ele me delegava. As brigas entre nós aumentaram e acabei pedindo demissão. Agora vejo que fui precipitada, senhor juiz. Deveria ter feito como a moça da notícia. Deveria ter entrado na Justiça e pedido uma indenização.
Porque aquele homem me prejudicou, senhor juiz. Aquele homem me prejudicou muito.
Desde que saí da empresa simplesmente perdi o apetite. Eu, que antes devorava um generoso prato de macarronada com a maior facilidade, agora tenho de fazer força para engolir um simples chá com torradas. Estou perdendo peso rapidamente e já sou considerada magra pelas minhas amigas. Uma delas até acha que eu estou sofrendo de anorexia nervosa. Se continuar assim, vou virar um palito.
E isso não é justo, senhor juiz. Eu sofri uma perda tanto na minha auto-estima quando na minha auto-imagem. Por isso estou acionando a empresa, senhor juiz, porque quero meu peso de volta. Ou então quero uma indenização. E que deve ser, se o senhor me permite a sugestão, proporcional à perda que tive: tantos quilos, tantos reais. Espero que meus argumentos pesem na balança da Justiça."


Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha

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