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MOACYR SCLIAR
Quero meu peso de volta
Justiça manda empresa indenizar
funcionária chamada de "gordinha". O nome do trabalhador está
incorporado ao seu patrimônio moral e, por isso, ele não pode ser chamado pelo chefe por um apelido pejorativo, segundo o entendimento
dos juízes da 2ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região
(São Paulo). Os juízes condenaram a
empresa Control Tower Assessoria
Empresarial Ltda. a pagar indenização de R$ 8.000 a uma ex-empregada chamada de "gordinha" pelo diretor da empresa. Folha Online, 29 de agosto de 2005
"Senhor juiz: estou entrando na Justiça porque li a
notícia sobre a funcionária que
foi indenizada porque o diretor
da empresa chamou-a de "gordinha". É que comigo aconteceu a
mesma coisa, senhor juiz. Há cerca de dois anos fui contratada para trabalhar numa empresa aqui
na capital. Parecia um bom emprego e eu estava muito animada.
Entreguei-me às minhas tarefas,
que não eram poucas, com a melhor das boas vontades. Devo dizer que sempre fui uma funcionária dedicada e nessa empresa pretendia ser mais dedicada ainda.
Infelizmente, senhor juiz, meu
propósito foi frustrado. E foi frustrado por ninguém menos que o
diretor da empresa, a pessoa que
supostamente deveria me dar
apoio. Lá pelas tantas ele começou a me chamar de "gordinha".
Sei, este é um termo comum, e pode ser até carinhoso; eu tinha um
namorado que só me chamava
assim. Mas no caso desse diretor
era diferente. Ele queria me ofender. Fazia comparações: dizia que
eu era gorda como uma baleia,
gorda como um elefante. Que no
ônibus eu deveria ser um transtorno para a pessoa sentada a
meu lado. E que se eu continuasse
engordando acabaria pesando
uma tonelada.
Senhor juiz, devo lhe dizer que
reconheço: sou gordinha, mesmo.
Tenho um 1,60 m e peso 75 quilos.
Mas sempre fui gordinha. Desde
criança. Na minha família -pai,
mãe, cinco irmãos- todos eram
magros. A única rechonchuda era
eu. E eles me adoravam por causa
disso. Todos me chamavam de
"minha fofinha". Eu me sentia orgulhosa, eu me sentia amada. Por
isso nunca dei importância quando outras pessoas chamavam a
atenção para meu peso.
Mas diretor é diretor, senhor
juiz. Diretor tem autoridade.
Tanto aquele homem falou que
acabou me incomodando. Já não
podia me concentrar no trabalho,
saía-me mal nas tarefas que ele
me delegava. As brigas entre nós
aumentaram e acabei pedindo
demissão. Agora vejo que fui precipitada, senhor juiz. Deveria ter
feito como a moça da notícia. Deveria ter entrado na Justiça e pedido uma indenização.
Porque aquele homem me prejudicou, senhor juiz. Aquele homem me prejudicou muito.
Desde que saí da empresa simplesmente perdi o apetite. Eu, que
antes devorava um generoso
prato de macarronada com a
maior facilidade, agora tenho de
fazer força para engolir um simples chá com torradas. Estou perdendo peso rapidamente e já sou
considerada magra pelas minhas
amigas. Uma delas até acha que
eu estou sofrendo de anorexia
nervosa. Se continuar assim, vou
virar um palito.
E isso não é justo, senhor juiz.
Eu sofri uma perda tanto na minha auto-estima quando na minha auto-imagem. Por isso estou
acionando a empresa, senhor
juiz, porque quero meu peso de
volta. Ou então quero uma indenização. E que deve ser, se o senhor me permite a sugestão, proporcional à perda que tive: tantos
quilos, tantos reais. Espero que
meus argumentos pesem na balança da Justiça."
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha
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