São Paulo, Terça-feira, 05 de Outubro de 1999
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Moral de rebanho, de doçura feminina e cristã

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Nunca se viu tanto bandido na cena pública do país -o que não significa, porém, que não existissem antes-, de norte a sul, em todas as áreas. A impressão que se tem é de um país dominado e administrado, econômica e politicamente, por bandidos: de empresários a homens públicos, do mais rico ao mediano, da maior à menor autoridade.
No âmbito em que transitam os colarinhos brancos, duas notícias expunham, na semana passada, o cheiro da podridão: 1) o empresário Abílio Diniz, dono do Grupo Pão de Açúcar, teve restabelecida pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça) a prisão de um ano e quatro meses, a que foi condenado em 1996, por crime contra o sistema financeiro nacional.
Está claro que o empresário vai recorrer e (está claríssimo) que jamais será preso. 2)Os empresários José Ermírio de Moraes Filho, do Grupo Votorantim, César Araújo Mata Pires e Carlos Seabra Suarez, da construtora OAS, foram denunciados à Justiça por doações ilícitas (que somam milhões de dólares) ao esquema PC de corrupção no governo Fernando Collor (90-92). Certamente nada vai acontecer com eles.
No âmbito da coisa pública, a podridão vai da prefeitura e da Câmara Municipal à Justiça de São Paulo. Da polícia à política e à Justiça do Acre. Em Alagoas, no Piauí, em Mato Grosso, no Espírito Santo, a bandidagem espalha-se feito epidemia.
O fato de que homicidas esquartejadores (crime supostamente atribuído ao ex-deputado do Acre Hildebrando Pascoal), ladrões (como os vereadores e deputados paulistas sob investigação ou já cassados), estelionatários e traficantes (crimes de que é acusado o deputado José Aleksandro da Silva, que substituiu Hildebrando no Acre) tenham sido eleitos pelo povo é revelador não apenas da ignorância e da doçura cristã da massa como de uma lei eleitoral conivente com essa palhaçada chamada democracia do voto.
Afinal, que lei é essa que permite a candidatura de bandidos a cargos públicos? Também é importante notar como a mistura entre cristianismo evangélico e política tem se aproveitado como nunca da boa fé do povo. O deputado José Aleksandro da Silva (PFL-AC), suspeito de ligações com o narcotráfico e o crime organizado no Acre, foi eleito com apoio da Assembléia de Deus, a maior igreja pentecostal do Brasil, especialista em recrutar pobres e ignorantes para engrossar suas fileiras e convencê-los de que a vida nesta Terra é um vale de lágrimas e que toda a felicidade está no além etéreo dos céus.
É a moral do escravo, do rebanho, da doçura feminina e cristã, diz Rubens Rodrigues Torres Filho, em estudo sobre a moral do além-do-homem (além do bem e do mal) de Nietzsche, oposta à cristã. Para Nietzsche, o cristianismo repousa em dogmas e crenças que impõem à consciência fraca e escrava a resignação e a renúncia como virtudes.
Para ele, os escravos e os vencidos da vida inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes.
Nietzsche traz à tona, diz Torres Filho, um significado esquecido da palavra "bom". Em latim, "bonus" significa também "o guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo (e pela ignorância brasileira).


E-mail mfelinto@uol.com.br



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