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Moral de rebanho, de doçura feminina e cristã
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Nunca se viu tanto bandido na
cena pública do país -o que não
significa, porém, que não existissem antes-, de norte a sul, em todas as áreas. A impressão que se
tem é de um país dominado e administrado, econômica e politicamente, por bandidos: de empresários a homens públicos, do mais
rico ao mediano, da maior à menor autoridade.
No âmbito em que transitam os
colarinhos brancos, duas notícias
expunham, na semana passada, o
cheiro da podridão: 1) o empresário Abílio Diniz, dono do Grupo
Pão de Açúcar, teve restabelecida
pelo STJ (Supremo Tribunal de
Justiça) a prisão de um ano e quatro meses, a que foi condenado em
1996, por crime contra o sistema
financeiro nacional.
Está claro que o empresário vai
recorrer e (está claríssimo) que jamais será preso. 2)Os empresários
José Ermírio de Moraes Filho, do
Grupo Votorantim, César Araújo
Mata Pires e Carlos Seabra Suarez, da construtora OAS, foram
denunciados à Justiça por doações ilícitas (que somam milhões
de dólares) ao esquema PC de corrupção no governo Fernando Collor (90-92). Certamente nada vai
acontecer com eles.
No âmbito da coisa pública, a
podridão vai da prefeitura e da
Câmara Municipal à Justiça de
São Paulo. Da polícia à política e
à Justiça do Acre. Em Alagoas, no
Piauí, em Mato Grosso, no Espírito Santo, a bandidagem espalha-se feito epidemia.
O fato de que homicidas esquartejadores (crime supostamente
atribuído ao ex-deputado do Acre
Hildebrando Pascoal), ladrões
(como os vereadores e deputados
paulistas sob investigação ou já
cassados), estelionatários e traficantes (crimes de que é acusado o
deputado José Aleksandro da Silva, que substituiu Hildebrando
no Acre) tenham sido eleitos pelo
povo é revelador não apenas da
ignorância e da doçura cristã da
massa como de uma lei eleitoral
conivente com essa palhaçada
chamada democracia do voto.
Afinal, que lei é essa que permite a candidatura de bandidos a
cargos públicos? Também é importante notar como a mistura
entre cristianismo evangélico e
política tem se aproveitado como
nunca da boa fé do povo. O deputado José Aleksandro da Silva
(PFL-AC), suspeito de ligações
com o narcotráfico e o crime organizado no Acre, foi eleito com
apoio da Assembléia de Deus, a
maior igreja pentecostal do Brasil,
especialista em recrutar pobres e
ignorantes para engrossar suas fileiras e convencê-los de que a vida
nesta Terra é um vale de lágrimas
e que toda a felicidade está no
além etéreo dos céus.
É a moral do escravo, do rebanho, da doçura feminina e cristã,
diz Rubens Rodrigues Torres Filho, em estudo sobre a moral do
além-do-homem (além do bem e
do mal) de Nietzsche, oposta à
cristã. Para Nietzsche, o cristianismo repousa em dogmas e crenças
que impõem à consciência fraca e
escrava a resignação e a renúncia
como virtudes.
Para ele, os escravos e os vencidos da vida inventaram o além
para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e
dos fortes.
Nietzsche traz à tona, diz Torres
Filho, um significado esquecido
da palavra "bom". Em latim, "bonus" significa também "o guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo (e pela ignorância brasileira).
E-mail mfelinto@uol.com.br
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