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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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AMBIENTE

Município de Barcelos é o maior exportador de cardinais do mundo

No AM, peixe ornamental é esperança e ameaça

Marlene Bergamo/Folha Imagem
O pescador Sidnei Pereira da Silva, que trabalha na cidade de Barcelos, mostra a rede conhecida como rapiché cheia de peixes cardinais


AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO NEGRO (AM)

Um peixinho irrequieto de listras coloridas, de poucos centímetros de tamanho, é a esperança e a ameaça de Barcelos, a antiga capital do Amazonas. A cidade, cerca de 400 km subindo pelo rio Negro a partir de Manaus, é a maior exportadora de cardinais do mundo. Estima-se que 60% da economia do município de 25 mil habitantes dependa desses peixes.
Caso sua pesca não seja controlada, e governos e empresários não invistam na tecnologia da criação do cardinal em cativeiro, a cidade ficará sem recursos e os pescadores mais miseráveis ainda. A advertência é compartilhada pelo Ibama de Manaus e pelo Projeto Piaba, que tem o apoio da Universidade Federal do Amazonas, associação de criadores e exportadores de peixes do Amazonas e de instituições nacionais e internacionais.
As águas escuras do rio Negro são o habitat de mais de 1.800 espécies catalogadas de peixes ornamentais, mas só 214 podem ser exportadas. A principal delas é o cardinal, que representa 80% de toda a exportação. O peixinho é cobiçado porque ninguém conseguiu reproduzi-lo em cativeiro. Por enquanto, as águas escuras do rio Negro protegem a economia de Barcelos e o frágil cardinal.
Poderia parecer um bom negócio, mas a verdade é bem diferente. Por um lado, já há pelo menos dois países que começam a obter algum sucesso na criação do cardinal em cativeiro: a República Tcheca e os EUA.
Já foi assim com muitos dos peixes dessa região, como o acará-disco e o néon, e o preço lá fora ficou mais convidativo e os animais mais adaptáveis aos aquários.
Por outro lado, o número de desempregados em Barcelos está triplicando a quantidade de piabeiros (pescadores de peixes ornamentais). "No mês passado, havia pelo menos 150 homens pescando nas barrancas e igarapés do rio Atauí, 20 vezes mais que dez anos atrás ", diz Roberto Leopoldino de Souza, o Betão, 32, presidente da Colônia de Pescadores.
O único cenário que não mudou foi o da miséria. "Piabeiro passa a vida trabalhando, sempre devendo a gasolina e a comida que o patrão adianta", diz Clarindo Chagas, 46, presidente da Associação dos Indígenas de Barcelos. Os patrões são os intermediários que compram o peixe dos piabeiros para vendê-lo em Manaus, aos exportadores. Pagam R$ 10 a R$ 14 por milheiro. Nas lojas nos EUA, Europa ou Japão, são vendidos a US$ 2 cada um.
"Um aumento de 4.000 vezes", estima o professor Ning Labbish Chad, que criou e dirige o Projeto Piaba. "Embora nossa preocupação seja ambiental, estamos lutando para acabar com os intermediários", diz Orlando Afonso Ferreira, do Ibama de Manaus.
A proposta do Projeto Piaba é manter um controle sobre as áreas de pesca e contabilizar o número de peixes. "A intenção é que o peixe possa ter melhor qualidade, que o piabeiro seja melhor remunerado e que possam viver dessa atividade sem provocar danos ao meio ambiente", diz Chad. Não por acaso, o slogan do projeto é "compre um peixe e salve uma árvore".
Dez anos de projeto, porém, não conseguiram alterar a situação dos piabeiros. Eles não conseguiram montar uma cooperativa e a cidade não tem um entreposto onde os peixes possam ser protegidos depois de capturados. "Quem pode está mudando de ramo", diz Sandra Lúcia Pereira da Silva, 28, vice-presidente da Colônia dos Pescadores.
Na semana passada, ela e uma funcionária do Projeto Piaba conferiam a quantidade de peixes que seguiriam para Manaus pelo navio Princesa Laura. A carga de 300 mil peixinhos foi o resultado do trabalho de quase 500 piabeiros que passaram quatro semanas nos rios, arrastando o rapiché (uma pequena rede), ou armando o cacuri, uma espécie de "saco armadilha" que fica na água durante várias horas.
Em 1999, o Projeto Piaba contabilizou a saída de 60 milhões de peixes ornamentais de Barcelos. Em 2002, foram 45 milhões. O Ibama, em Manaus, informa que 14,7 milhões de peixes do Amazonas saíram de Manaus para o exterior em 2002. Ninguém sabe explicar a diferença nos números.
À margem dos riscos que corre o cardinal e a economia da cidade, Barcelos e a região continuam com sua imagem cada vez mais ligada aos peixes ornamentais.
Em São Gabriel da Cachoeira, "capital" de uma das maiores áreas indígenas, está sendo realizado neste final de semana o Festribal, onde duas etnias indígenas disputam ao som de forró e música eletrônica.

O jornalista Aureliano Biancarelli viajou a convite da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro


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