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Mesmo morto, preso é julgado até pelo STJ
"Maníaco de Higienópolis", morto na prisão em abril, recebeu na semana passada do TJ-SP pena de 5 anos e meio de reclusão
Casos como esse ocorrem porque não existe definição legal sobre quem tem a responsabilidade de informar à Justiça que o réu morreu
SOFIA FERNANDES
VANESSA CORRÊA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um homem morto em abril
deste ano continua sendo julgado na primeira e na segunda
instância na Justiça de São
Paulo e até no STJ (Superior
Tribunal de Justiça).
Sem a informação de que o
réu já não vivia -o que extingue a possibilidade de ser punido-, desembargadores do Tribunal de Justiça julgaram na
última quinta um dos recursos
apresentados por Afonso Benedito Severiano Júnior, conhecido como "maníaco de Higienópolis". A pena do defunto foi revista para cinco anos e seis meses de reclusão.
Além desse julgamento, houve ao menos outro recurso julgado por desembargadores, em
agosto deste ano. Em julho, três
meses depois de morto, Severiano teve um pedido de habeas
corpus submetido ao STJ, em
Brasília. O caso foi julgado -e a
liberdade negada- em agosto.
Constam outros dez processos contra Severiano em primeira instância, no fórum da
Barra Funda. Em dois deles, os
juízes foram informados sobre
a morte e extinguiram a punibilidade. Nos outros, no entanto,
não há essa informação.
Terra de ninguém
Um dos principais motivos
para a confusão é que não há na
lei penal determinação de
quem é a responsabilidade de
informar sobre a morte do réu,
dizem criminalistas ouvidos
pela Folha .
O juiz só pode declarar extinto o processo depois de receber
a certidão de óbito, que poderia
ser enviada pelo defensor, pelo
promotor ou pelo juiz de primeira instância.
"É lamentável. Ocupa o tempo de julgar uma pessoa viva, o
tempo do desembargador e do
Judiciário", afirma o advogado
criminalista Celso Vilardi.
Crime em Higienópolis
Severiano Júnior ficou conhecido como "maníaco de Higienópolis" em 2006, quando
foi acusado de esfaquear e roubar o celular de 20 pessoas nesse bairro nobre do centro de
São Paulo. Uma das vítimas,
Amanda da Silva, 24, morreu.
Condenado, ele estava preso
na penitenciária de segurança
máxima Avaré 1, no interior de
São Paulo, onde morreu em 15
de abril -segundo a certidão de
óbito, emitida em 17 de abril.
A causa da morte, conforme o
documento, foi asfixia por enforcamento. A Secretaria de
Administração Penitenciária
diz que o detento foi encontrado enforcado com um lençol no
setor hospitalar do presídio.
A pasta afirma que, após a
morte, a penitenciária mandou
ofício para "autoridades policiais, juiz de direito do Decrim 2
(Departamento Técnico de
Apoio ao Serviço da Vara de
Execuções Criminais), gabinete
da Secretaria da Administração
Penitenciária" e avisou os familiares. O Decrim diz ter recebido o aviso. O Ministério Público
e a defesa, porém, afirmam não
terem recebido a notícia.
A distância entre defensor
público e defendido é outro fator que leva à desinformação.
Não havia defesa no julgamento póstumo. Fabiana Camargo
Miranda, defensora pública designada em 2007, diz nunca ter
tido contato com o réu.
Avisada pela Folha de que o
cliente estava morto, a defensora diz que não teve tempo para acompanhar o caso: "Somos
poucos em São Paulo, não conseguimos ir sempre à prisão".
O diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o advogado Augusto Arruda Botelho, afirma que os defensores
públicos estão sobrecarregados. "Erros até piores acontecem, homônimos sendo presos,
pessoas sendo presas porque
há no sistema da polícia um
mandado de prisão em aberto
sendo que não ele existe mais."
Para Botelho, a falta de modernização e o excesso de demanda provocam erros operacionais da Justiça.
Colaboraram GUSTAVO ROMANO e MATHEUS MAGENTA
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