São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2008

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Desabrigados por tremor em MG vivem "trauma urbano"

Levadas da zona rural para o centro de Itacarambi, famílias enfrentam desemprego, alcoolismo e violência doméstica

Algumas sonham em voltar para a comunidade rural de Caraíbas, hoje um local fantasma, onde o abalo de 2007 deixou um morto

EDUARDO SCOLESE
ENVIADO ESPECIAL A ITACARAMBI (MG)

As vítimas do abalo sísmico que no final do ano passado causou a primeira e única morte no país em decorrência de um tremor de terra vivem hoje uma espécie de trauma urbano, após terem sido deslocadas, por segurança, para o centro da cidade mineira de Itacarambi (a 663 km de Belo Horizonte).
Há relatos de aumento do alcoolismo e da violência doméstica, além da falta de emprego e da ociosidade.
Os vastos quintais com hortas, plantações e pequenos animais deram lugar a fileiras de casas, coladas umas às outras.
Algumas das famílias cogitam arrumar as malas e voltar para o campo, juntando-se às três famílias que não acataram os pedidos da Defesa Civil e permanecem na comunidade rural de Caraíbas, atingida pelo tremor e atualmente um local quase fantasma.
Em maio, cinco meses após o terremoto, as 76 famílias afetadas receberam do governo de Minas uma casa mobiliada no centro de Itacarambi e foram orientadas a abandonar seus pedaços de terra, a 35 km dali.
O tremor de dezembro, de 4,9 graus na escala Richter, matou uma criança de cinco anos e deixou seis pessoas feridas.
Avelina Bezerra, 46, mudou-se para a zona urbana, enquanto o marido fica na comunidade atingida pelo tremor. "Lá eu não consigo dormir. Fico com medo", afirma a dona-de-casa.
Vera Alice de Oliveira, 26, mãe de Gesiquelle, 5, que morreu no tremor de dezembro, vive com a filha Taína, 2, numa das casas construídas pelo governo. "Aqui me sinto mais segura, mas também sinto muito falta da roça. Estava acostumada a trabalhar na terra", diz.
Itacarambi sofre com o desemprego. As poucas oportunidades surgem nos concursos da prefeitura, inviáveis para lavradores com baixa escolaridade.
De acordo com a psicóloga Valéria Patrícia França, o alcoolismo, por causa do desemprego, já é comum nessa região do Estado, mas tem sido pior nas famílias atingidas pelo tremor. "As mulheres têm nos procurado para denunciar abusos dos maridos com bebidas e com a violência em casa", diz.
A presença de três famílias na antiga comunidade e a vontade de outras retornarem para lá preocupam a Defesa Civil. Jácomo Bezerra, 57, não admite trocar a zona rural pela urbana. Para se proteger, idealizou uma "arquitetura antiterremoto": construiu um quarto que tem paredes de madeira e é coberto com telhas finas.
Jácomo, a mulher e a filha de nove anos ainda circulam pela casa condenada durante o dia. À noite, porém, o refúgio é o novo dormitório. "Se cair [com o tremor], não machuca", afirma.
Em seu pequeno pedaço de terra, Jácomo cria porcos e galinhas e planta milho, feijão, cana e mandioca. "Como vou viver lá [na cidade]? Ninguém vai querer dar emprego para um homem de 57 anos", diz ele.
Cientes do problema, os candidatos a prefeito falam em dar uma área próxima à zona urbana a essas famílias, para que possam trabalhar durante o dia e voltar no final da tarde para as casas doadas pelo governo.


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