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MOACYR SCLIAR
Guerra é guerra
O despertador soava,
ele jogava-o contra a parede e depois levantava da cama, muito alegre
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Quem nunca teve vontade de atirar o despertador na parede numa segunda-feira de manhã? Foi pensando nisto que
a empresa japonesa Tokyo Trading fez um despertador no formato de uma granada de mão. Assim que o produto começa a tocar, seus usuários podem atirá-lo com toda força na parede. Um sensor de
movimento "desarma" o despertador, que pára de tocar. Folha Online
VIVIAM JUNTOS havia muitos
anos, e viviam bem. Como diziam os amigos, eram um
magnífico exemplo de convivência
harmoniosa. Gostavam dos mesmos
filmes, das mesmas bandas, dos
mesmos livros, dos mesmos pratos.
Torciam para o mesmo time, votavam nos mesmos candidatos. Casal
perfeito, enfim.
Havia um único momento no dia
em que a relação azedava: o momento de acordar. Porque aí, sim, eram
diferentes. Ela pulava da cama lépida e fagueira, pronta a enfrentar os
desafios do trabalho. Ele, pelo contrário, despertava sempre de mau
humor. Odiava a manhã. E odiava
sobretudo o despertador que tocava
diariamente às seis e meia -horário,
a propósito, estabelecido por ela. Ele
até que poderia acordar mais tarde,
mas, afinal, eram um casal harmônico, e casais harmônicos acordam à
mesma hora. Só que o som do despertador estragava tudo. O relógio
acabou tornando-se, para ele, um
símbolo odiado. Pior que aquilo, dizia, só as trombetas do Apocalipse.
Um dia leu na Folha a notícia de
que uma empresa japonesa tinha
criado um relógio com o formato
de uma granada de mão, um relógio que podia ser atirado com força
contra a parede, sem quebrar. O
propósito do invento era muito
claro: descarregar o mau humor
das pessoas que não gostam de
acordar de manhã. O caso dele.
Não vacilou: a um amigo que seguido viajava ao Japão encomendou o tal despertador. O amigo
atendeu o pedido, e, quando o relógio chegou, ele teve certeza de que
uma nova etapa começava em sua
vida. Na vida do casal, para dizer a
verdade.
Com a concordância dela, trocou
o antigo despertador pelo novo. Na
manhã seguinte, mal o relógio estilo granada soou ele agarrou-o e jogou-o contra a parede. O estridente
som de imediato cessou, com o que
ele sentiu-se invadir por um imenso júbilo. Enfim, podia expressar
seu protesto contra a vida matinal.
Enfim, podia dar vazão à sua contrariedade. O relógio-granada era a
solução de seus problemas.
Nos primeiros tempos correu tudo bem. O despertador soava, ele
jogava-o contra a parede e depois
levantava da cama, muito alegre.
Ela, porém, começou a mostrar-se
contrariada. Não gostava de gente
violenta. Sobretudo, não gostava
daquele tipo de violência. Sentia
como se a agressão fosse dirigida
a ela. "É a mim que você quer jogar
contra a parede", disse. As discussões se sucediam, acabaram por
separar-se e ela deixou o apartamento.
Ele continua jogando o despertador contra a parede. Mas não com
o mesmo entusiasmo, ao contrário.
Uma fantasia persegue-o, a fantasia de que a ex-namorada vai usar
aquilo para se vingar. Uma noite,
ele dormindo, ela entrará no apartamento (do qual ainda tem a chave) e trocará o relógio-granada por
uma granada de verdade. Quando
ele atirá-lo, será aquela explosão.
Mas não é em meio a uma explosão
que terminam os grandes casos de
amor?
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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