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INFÂNCIA
A 10 km do centro da cidade, meninos e meninas passam o dia
enterrados em manguezal caçando seu sustento
"Criança-caranguejo" vive da lama no Rio
SERGIO TORRES
da Sucursal do Rio
A 10 km do centro do Rio, de barco, chega-se a um manguezal onde
crianças e adolescentes passam o
dia enterrados na lama, à procura
de caranguejos.
Vivem em miséria quase absoluta, não frequentam colégios e nada
conhecem além do mangue e da
região paupérrima onde moram,
em barracos e casebres. São cerca
de 500 menores nessa situação.
O manguezal é parte da APA
(Área de Proteção Ambiental) de
Guapimirim, região de 14 mil hectares no fundo da baía de Guanabara, administrada pelo Ibama
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Última área virgem na poluída
baía, o manguezal tem na captura
de caranguejos e na pesca artesanal suas únicas atividades econômicas.
A pesca costuma ser praticada
por jovens já crescidos e adultos. A
captura de caranguejos, na maioria das vezes, por crianças e adolescentes de até 16 anos.
Como Mariana da Conceição de
Oliveira, 11, que, com o irmão Ricardo, 13, sai de casa no bairro de
Vila Nova de Itambi (Itaboraí, município a 35 km do Rio), embarca
em uma canoa e durante horas
vasculha os lamaçais em busca dos
caranguejos.
Para capturá-los, Mariana e Ricardo enfiam-se na lama até a cintura.
Além do desconforto, da imundície, da fome, do frio das últimas
semanas e das garras dos caranguejos, enfrentam os maruins, insetos minúsculos e vorazes que
deixam na pele marcas de picadas
maiores que as de mosquitos.
Mariana conta que quer ser professora de crianças quando crescer, mas sabe que está cada vez
mais difícil realizar seu sonho.
Apesar de matriculada na 1ª série
de uma escola estadual no bairro,
há bastante tempo a menina não
vai à aula.
O irmão, "caçador de caranguejos" desde os 8 anos, não tem planos para o futuro.
"Não quero ser nada. Para quê?",
pergunta ele, que, como a irmã,
não tem ido à escola.
O "uniforme" de trabalho é sempre o mesmo: roupas velhas e rasgadas, descalços. Ricardo e Mariana, mesmo com bastante esforço,
não têm conseguido mais do que
dez caranguejos por dia.
Os animais são entregues à mãe,
Maria José de Oliveira, 44, que vende a dúzia entre R$ 7 e R$ 10, dependendo da oferta e do tamanho
dos caranguejos.
"Está ruim. Há dois meses está
ruim. Os caranguejos têm vindo
muito pequenos. Na semana passada, foi difícil. O caranguejo sumiu. Só arrumamos R$ 30. Passamos fome", disse Maria José, mãe
de seis filhos com idades entre 2
anos e 23 anos, casada com o caranguejeiro Lourival, 49.
Colega dos filhos de Maria José,
Jomar do Carmo Xavier, 15, vive
enterrado nos lamaçais há pelo
menos sete anos.
No período, ele fala, viu seis colegas morrerem na lama ou levados
pela correnteza dos rios Macacu,
Guapimirim e Guaraí, que descem
da região serrana em direção à
baía.
"Se ninguém vê quando você fica
preso na lama, acabou. Quando a
maré sobe, você morre afogado. A
corrente também é um perigo. Ela
aumenta de força de repente", disse Xavier.
O garoto nunca foi ao Rio, apesar
de a sua casa, na borda do manguezal, distar menos de 40 km do centro da capital, por estradas asfaltadas e pela ponte Rio-Niterói.
"Queria ir ao Cristo Redentor, ao
Maracanã e de ser empresário de
qualquer tipo de fábrica", disse ele,
que aprendeu o ofício de catar caranguejo com o seu padrasto, Sílvio da Silva.
A situação de Mariana, Ricardo e
Xavier não comove ninguém que
frequenta ou habita os manguezais.
Todos ali estão acostumados a
conviver com o lixo, a pobreza e a
miséria. Naquela região, a criança
existe para ajudar na sobrevivência da família.
Não importa a idade ou o tipo de
atividade que deve realizar para
que essa ajuda se concretize.
"É triste. Eu preferia meus filhos
na escola, mas a gente tem que comer. A realidade daqui é essa",
afirma Maria José.
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