São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
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GILBERTO DIMENSTEIN

A escola da rua

Ao visitar o Brasil semana passada, o sociólogo do trabalho Domenico De Masi previu a desvalorização do diploma de ensino superior -um papel reverenciado, cobiçado pelo dom de assegurar bons salários.
No momento de contratar, as empresas tenderiam, segundo ele, a olhar menos para a galeria de diplomas, e mais para o acúmulo de experiência.
Estamos assistindo ao fim da escola? Muito provavelmente.
A escola como a conhecemos está com os dias contados.

Quem está no mercado de trabalho, acompanhando a evolução das empresas, e, ao mesmo tempo, na escola percebe um monumental abismo.
A escola simplesmente não consegue acompanhar a rapidez das transformações, presa a conteúdos ultrapassados; professores sem referenciais na realidade ministram testes inúteis, imprestáveis fora da sala de aula, pelos quais os alunos são indevidamente avaliados.
O que as empresas querem é o óbvio: alguém que resolva problema, que supere os conflitos, usando a improvisação, criatividade, intuição.
Como na era da informação, movida a globalização, os problemas se renovam com crescente velocidade, o indivíduo deve estar apto a se reciclar sempre.
Por esses motivos, as grandes empresas do tipo Xerox, IBM, Microsoft e Packard lançam as próprias universidades.
Daí a aposta de Domenico na perda de valor do diploma.

Canudos de Harvard, Columbia, USP, FGV ou Unicamp obviamente ajudam.
Mas esse diferencial tende a se enfraquecer caso, em primeiro lugar, o aluno não se mantenha atualizado, com novos cursos -e, em segundo, não for nutrido com um acervo de experiências.
Qual seria, então, a boa escola? É a escola da rua.

É aquela que obriga o estudante, desde o início de sua vida escolar, a resolver problemas, simulando a realidade; a partir daí, são encaixadas as cadeiras como português, história, química, física, matemática.
A informação é apresentada dentro de um contexto, nada a ver com aquela decoreba, esquecida no dia seguinte ao da prova.
A boa escola é aquela em que os professores, transformados em tutores, administram cotidianamente a "rua".
São habilitados a separar o efêmero do essencial; teriam tarefa semelhante ao do colunista de jornal, aquele que vê a balbúrdia e, no mesmo dia, é obrigado a detectar o que é importante.

Trazer a rua significa também levar o estudante para a rua -e, aqui, a Internet assume toda a sua potencialidade.
Ir para a rua é mais do que visitar museus, teatros, fazer excursões.
É também oferecer ao aluno experiências práticas, inundando-o de realidade, convidando-o cedo a lidar com conflitos. Do conflito, o professor extrai as lições dos livros.
Quero dizer: trabalhos comunitários devem valer nota. Assim como estágios em empresas.
Não me refiro, aqui, a estágios ou visita a favela esporádicos. Mas a uma rotina de vivência fora dos muros escolares.

Um passo relevante é dado em nosso país -é das boas notícias que temos.
As melhores universidades brasileiras começam a usar como critério no vestibular o Enem (Exame de Ensino Médio). Esse teste não mede informação acumulada, mas manejo de associações de dados. Induz à reflexão, não à memorização.
A educação do futuro, portanto, está na rua.

PS - Nestes últimos dez anos, tenho acompanhado e me envolvido em experiências de educação, centradas no conceito de "escola da rua"; são fatos, lições e personagens que vou coletando pelos lugares em que morei ou visitei, de Nova Déli a Salvador, passando por Nova York e São Paulo.
Venho produzindo um diário de bordo, textos que vou escrevendo e reescrevendo, com ajuda de amigos-tutores.
Abro, hoje, esse inconcluso diário de bordo aos leitores, colocando-o no Universo Online no site www.aprendiz.com.br.
Graças à Internet, já podemos fazer livros interativos, com autoria coletiva.

E-mail: gdimen@uol.com.br


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