São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2000

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RIO
Funcionários de Bangu 1 reagem à suspeita do governo de que tenham encomendado assassinato de diretora do presídio
Agentes entram em greve contra Garotinho

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Enterro de Sidneya Santos de Jesus, que era diretora do presídio de segurança máxima Bangu 1


FERNANDA DA ESCÓSSIA
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

A Secretaria da Segurança do Rio de Janeiro investiga a possibilidade de o assassinato de Sidneya Santos de Jesus, diretora do presídio de segurança máxima de Bangu 1, ter sido encomendado por agentes penitenciários.
Indignados com a suspeita, apontada em nota oficial assinada pelo governador Anthony Garotinho (PDT), agentes penitenciários expulsaram ontem o secretário estadual de Justiça, João Luiz Pinaud, do cemitério da Cacuia (zona norte), onde acontecia o enterro de Sidneya.
À noite, os agentes fizeram assembléia e decidiram entrar em greve a partir da 0h de hoje, para exigir a demissão de Pinaud. Os agentes vão manter apenas a alimentação, o socorro médico de emergência aos presos e o cumprimento de alvarás de soltura.
Estão suspensas visitas, consultas com advogados e transferências. Há cerca de 1.200 agentes nos presídios fluminenses.
Na mesma assembléia que decidiu a greve, 24 diretores do Desipe (Departamento do Sistema Penitenciário) anunciaram que entregariam os cargos.
Apesar da investigação sobre os agentes, que estariam insatisfeitos com o trabalho de Sidneya, a secretaria não descarta a possibilidade de a morte ter sido determinada por presos de Bangu 1, como os traficantes Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, e Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP.
A diretora de Bangu 1 foi assassinada na noite de anteontem, quando chegava em casa, na Ilha do Governador (zona norte). Foi abordada por dois homens e levou três tiros. Tinha 46 anos.

Nota
De manhã, o governo estadual divulgou nota em que Garotinho fala da possibilidade de participação de agentes no crime.
"Hoje, a investigação tem duas linhas: pode ter sido uma ordem direta do tráfico ou de integrantes da corporação, insatisfeitos com sua gestão incorruptível", disse.
Os agentes penitenciários transformaram o enterro de Sidneya em um protesto "por condições mais seguras de trabalho".
No cemitério, Pinaud foi chamado de assassino e vaiado por agentes e parentes da vítima. Ele não conseguiu ficar mais de cinco minutos no velório. Insultado, dirigiu-se para o carro oficial, que foi cercado pelos agentes. Alguns deles chegaram a chutar o carro.
Os agentes, que de manhã realizaram um cerco ao prédio da Secretaria de Justiça, em Botafogo (zona sul), levaram cartazes para o cemitério. "Enquanto Pinaud dormia, a diretora morria", afirmava um cartaz.
O presidente do Sindicato dos Servidores da Secretaria de Justiça, Francisco Rodrigues, disse que Pinaud "só defende os direitos humanos dos bandidos".
Havia cerca de 500 agentes, amigos e parentes de Sidneya no cemitério. Os agentes chegaram em carreata, iniciada no complexo de presídios de Bangu (zona oeste) e que passou pela frente do palácio Guanabara (sede do governo estadual, na zona sul).
A suspeita contra os agentes surgiu a partir da constatação de que Uê e Marcinho VP não ordenaram a morte da diretora por meio de telefone celular.
Os celulares que eles usam em Bangu 1 estão grampeados pela polícia. Nenhuma gravação captou uma ordem dos traficantes para o assassinato de Sidneya.
A polícia não descarta, porém, que os traficantes tenham mandado matar a diretora. A ordem poderia ter sido dada a pessoas que os visitaram na prisão.
Para a polícia, os agentes penitenciários teriam um motivo para matar Sidneya: a política rigorosa instaurada por ela em Bangu 1 estaria prejudicando os "negócios" entre agentes e traficantes.
De acordo com as investigações da 37ª DP (Delegacia de Polícia), na Ilha do Governador, os agentes receberiam até R$ 5.000 dos presos para permitir regalias, como a entrada de armas e celulares.
O delegado Zaqueu Teixeira, titular da 37ª DP, disse que estão descartadas as hipóteses de assalto seguido de morte e crime passional. "Foi uma morte encomendada", disse ele, que pretende interrogar os principais presos.
Teixeira afirmou ainda que parentes disseram que há cerca de dois meses Sidneya vinha recebendo ameaças. Ele disse não saber quem são as pessoas que a ameaçavam.
As suspeitas contra os presos, especialmente contra Uê e Marcinho VP, também têm origem na política "linha-dura" implantada por Sidneya em Bangu 1.
No mês passado, ela impediu a transferência de Uê para um presídio de segurança intermediária, já autorizada pela Justiça. Sidneya alegou que ele era um preso de alta periculosidade e que poderia fugir caso fosse para um presídio com menos vigilância.
A diretora também passou a regular as visitas dos advogados, por causa da suspeita de que poderiam estar servindo de "pombo-correio", levando mensagens dos presos para cúmplices soltos.
O presidente do Sindicato dos Servidores da Secretaria de Justiça disse que os agentes já têm indícios de que Marcinho VP ordenou a morte, insatisfeito com o controle sobre o entra-e-sai de advogados. "Estamos investigando e vamos provar que foi ele."



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