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MOACYR SCLIAR
Dinheiro & sexo
Mulher vai receber indenização do
ex-marido por trabalho doméstico.
Uma dona-de-casa de Duque de Caxias, RJ, vai receber indenização de
R$ 3.600 por serviços prestados ao
ex-marido. Ela alegou ter convivido
durante dez anos com o homem,
com quem teve dois filhos. Nesse período, por conta dos serviços domésticos, não exerceu atividade remunerada. Folha Online, 30.set.2003
A indenização não foi
apenas uma compensação
material e moral; representou
uma verdadeira mudança na vida dela, uma vida que até então
tinha sido medíocre e sacrificada.
De posse da quantia, ela foi à luta. Abriu um pequeno negócio e,
trabalhando sem cessar, conseguiu ganhar dinheiro, bom dinheiro. Mudou-se da pequena
casa em que vivia para um confortável apartamento, comprou
um carro, começou a vestir-se
melhor e a frequentar bons restaurantes. Os amigos, que agora
eram vários, apontavam-na como um caso de sucesso.
Apesar disso, ela não estava feliz. E não estava feliz por uma
única razão: continuava sozinha.
Namorados não lhe faltavam,
claro, mas nenhum deles a satisfazia. E por fim teve de admitir:
tinha saudades do ex-marido.
Mau-caráter, ele, mulherengo,
safado -mas, na cama, um verdadeiro artista.
Depois de muito hesitar, resolveu procurá-lo. Foi mal recebida;
a indenização que tivera de pagar fora a gota d'água que precipitara o ex-marido numa situação difícil. Desempregado, estava
até passando fome. Mesmo assim, não quis saber dela: se você
veio aqui zombar de mim, pode ir
embora. Ela disse que não, que
queria apenas conversar um pouco, mas ele, alegando que estava
ocupado, cortou o papo abruptamente.
Ela voltou para o apartamento,
chorou muito. Mas, decidida como era, não aceitaria a derrota.
Baseada na sua já razoável experiência empresarial, concluiu que
tinha apenas usado uma estratégia errada. A aproximação teria
de ser outra.
Voltou ao ex-marido, agora
com uma proposta concreta: não
queria reconciliação, não queria
refazer o casamento. Queria apenas sexo e estava disposta a pagar
por isso. Ele que estabelecesse um
preço.
Para sua surpresa, e satisfação,
a resposta foi positiva. Ele se propôs a recebê-la duas vezes por semana, durante duas horas, mediante o pagamento de uma
quantia que até não era tão alta.
O arranjo tem funcionado satisfatoriamente, ao menos para a
mulher. O problema é com ele, segundo os amigos. Está pensando
em entrar na Justiça; alega que a
prestação periódica de serviços
configura vínculo empregatício e
quer carteira assinada, 13º, férias
e assistência médica.
Terá de fazer isso rapidamente.
Antes que se apaixone por ela.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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