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São Paulo, segunda-feira, 06 de outubro de 2003

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MOACYR SCLIAR

Dinheiro & sexo

 Mulher vai receber indenização do ex-marido por trabalho doméstico. Uma dona-de-casa de Duque de Caxias, RJ, vai receber indenização de R$ 3.600 por serviços prestados ao ex-marido. Ela alegou ter convivido durante dez anos com o homem, com quem teve dois filhos. Nesse período, por conta dos serviços domésticos, não exerceu atividade remunerada.
Folha Online, 30.set.2003

A indenização não foi apenas uma compensação material e moral; representou uma verdadeira mudança na vida dela, uma vida que até então tinha sido medíocre e sacrificada. De posse da quantia, ela foi à luta. Abriu um pequeno negócio e, trabalhando sem cessar, conseguiu ganhar dinheiro, bom dinheiro. Mudou-se da pequena casa em que vivia para um confortável apartamento, comprou um carro, começou a vestir-se melhor e a frequentar bons restaurantes. Os amigos, que agora eram vários, apontavam-na como um caso de sucesso.
Apesar disso, ela não estava feliz. E não estava feliz por uma única razão: continuava sozinha. Namorados não lhe faltavam, claro, mas nenhum deles a satisfazia. E por fim teve de admitir: tinha saudades do ex-marido. Mau-caráter, ele, mulherengo, safado -mas, na cama, um verdadeiro artista.
Depois de muito hesitar, resolveu procurá-lo. Foi mal recebida; a indenização que tivera de pagar fora a gota d'água que precipitara o ex-marido numa situação difícil. Desempregado, estava até passando fome. Mesmo assim, não quis saber dela: se você veio aqui zombar de mim, pode ir embora. Ela disse que não, que queria apenas conversar um pouco, mas ele, alegando que estava ocupado, cortou o papo abruptamente.
Ela voltou para o apartamento, chorou muito. Mas, decidida como era, não aceitaria a derrota. Baseada na sua já razoável experiência empresarial, concluiu que tinha apenas usado uma estratégia errada. A aproximação teria de ser outra.
Voltou ao ex-marido, agora com uma proposta concreta: não queria reconciliação, não queria refazer o casamento. Queria apenas sexo e estava disposta a pagar por isso. Ele que estabelecesse um preço.
Para sua surpresa, e satisfação, a resposta foi positiva. Ele se propôs a recebê-la duas vezes por semana, durante duas horas, mediante o pagamento de uma quantia que até não era tão alta.
O arranjo tem funcionado satisfatoriamente, ao menos para a mulher. O problema é com ele, segundo os amigos. Está pensando em entrar na Justiça; alega que a prestação periódica de serviços configura vínculo empregatício e quer carteira assinada, 13º, férias e assistência médica.
Terá de fazer isso rapidamente. Antes que se apaixone por ela.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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