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SEGURANÇA SOB AMEAÇA
Segundo a família de Pedro Cunha, morto em um dos atentados, ele reclamava da falta de estrutura da PM e já não se orgulhava da profissão
Cabo assassinado escondia que era policial
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
"Desde pequena, meu sonho era
que meu pai fosse me buscar na
escola fardado, com o carro da
polícia, para eu mostrá-lo aos
meus amigos", conta a estudante
Grace, 16. Seu pai, porém, nunca
realizava o pedido. Temia que o
fato de ser policial pudesse colocar a família em perigo. Além disso, após 23 anos de corporação, já
não sentia tanto orgulho da farda.
No último domingo, Grace teve
que desistir do sonho. Seu pai, o
cabo Pedro Cassiano da Cunha,
44, morreu em um ataque à base
comunitária do Tremembé (zona
norte de SP), onde trabalhava. Os
ataques a bases e carros da polícia,
desde domingo, também resultaram na morte do sargento Flávio
Soares, que trabalhava na base do
Parque Anhanguera. Outros seis
policiais e dois guardas-civis ficaram feridos.
As ações são atribuídas à facção
criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), como uma
resposta dos criminosos às limitações impostas pelo RDD (Regime
Disciplinar Diferenciado).
Para a família de Cunha, porém,
as causas da morte do cabo superam o lado factual dos ataques.
Elas estão ligadas à falta permanente de estrutura da polícia, como armas e automóveis, e -também- à insegurança e baixa auto-estima de muitos PMs.
Na véspera do ataque, a mulher
de Cunha, Cirley, 39, o encontrou
diante do computador, olhando
um site com fotos de policiais que
haviam morrido em serviço. Segundo ela, o marido sentia-se tão
inseguro que, além de pedir à família que não comentasse que era
policial, não queria nem mesmo
que a mulher pendurasse o uniforme no varal. Tampouco saía de
casa fardado.
"Quando meu marido entrou
na corporação, era apaixonado
pela polícia. Mas há alguns anos
começou a dizer que não tinha
mais como agir", lembra a mulher
do cabo. "Ele chegou a me dizer
que, se visse alguma coisa na rua,
era melhor fingir que não tinha
visto, porque eles não têm cobertura. E tudo é a polícia que mata,
que é errada. O sistema foi tirando
todo o orgulho dele."
Cunha não quis avançar na carreira militar, embora tenha até recebido uma medalha por boa
conduta. Com 23 anos de corporação, só prestou concurso para
cabo -uma posição acima da
dos soldados. Segundo familiares,
ele achava que o aumento salarial
não compensava o aumento de
responsabilidade do cargo.
Seu salário era de aproximadamente R$ 1.300. A família também se sustentava com as vendas
de um armarinho na parte dianteira da casa. Ainda assim, tiveram que vender o carro no início
do ano, além de realizar vários
empréstimos, para conseguir
manter as contar em dia.
As duas filhas do casal estudam
em colégio estadual. A mais velha,
Grace, chegou a estudar um ano
na Escola da Polícia Militar, mas a
família não teve condições financeiras de mantê-la na escola da
própria corporação.
Cunha estava ansioso para se
aposentar. Segundo a mulher, no
próximo dia 26 ele entraria de férias, período após o qual já estaria
aposentado. Seu plano era construir uma casa em Bertioga (litoral de São Paulo), para onde se
mudaria com a família, em busca
de uma vida mais saudável.
Há alguns meses, fez um check-up e, ao chegar em casa, disse à
mulher que tinha uma notícia
ruim. "Prepare-se", disse brincando. "O médico falou que eu
vou viver até os cem anos."
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