São Paulo, quarta-feira, 06 de dezembro de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

Reinventando a roda


Daniel Beato tem um plano: disseminar o aprendizado de reciclagem artística de pneus a todo o país


MARIA APARECIDA BEATO pediu a Daniel, seu filho, que se livrasse da montanha de pneus velhos que se avolumavam na garagem. Estava, sem saber, ajudando-o a descobrir ao mesmo tempo uma vocação artística e uma profissão. "Os pneus viraram a minha grande paixão", conta Daniel, formado em desenho industrial na faculdade Belas Artes.
Daniel não seguiu a ordem materna. O amontado caótico de borracha transformou-se em matéria-prima para objetos decorativos. Não foi difícil convencer a mãe a manter a bagunça na garagem. Professora de artes, ela sempre estimulou as experiências culturais do filho. "Meu quarto era também um ateliê. As paredes serviam de telas, e os móveis eram feitos de reciclagem. Meus amigos sempre tinham uma ponta de inveja dessa minha liberdade." Concluída a faculdade, ele não estava disposto a desenhar produtos para as indústrias -os pneus o conduziram a inventar uma profissão.
 

O curso de desenho industrial não lhe foi inútil -assim como não foram inúteis as experiências em seu quarto de adolescente. Na faculdade, Daniel tinha se interessado pelos móveis com material reciclado criados pelos irmãos Campanha, brasileiros que se destacaram no design mundial. Daí tirou parte da inspiração para elaborar os mais diferentes produtos a partir dos pneus: cadeiras, mesas, vasos, lixeiras, luminárias, brinquedos, balanços, camas, chinelos. "Matéria-prima não falta, usamos o que seria jogado fora e provocaria poluição."
A descoberta desse nicho foi ocasional. Seus produtos vinham sendo usados, em algumas feiras de artesanato, como suporte para expor roupas e bijuterias, mas não estavam à venda. "Muita gente se interessou em comprá-los." Mas o que seria um negócio pessoal reciclou-se numa experiência batizada de "arte em pneus".
 

Com o patrocínio de duas empresas (a rede de estacionamentos Estapar e a Goodyear), ele começou a percorrer cidades para ensinar as pessoas, especialmente os jovens, a fazer dinheiro ou mobiliar suas casas com os pneus velhos. Na Bahia, por exemplo, meteu-se por vários meses num quilombo remanescente. Até agora, 140 pessoas já foram capacitadas a tirar seu sustento desse tipo de reciclagem.
O campo de experimentação vai, aos poucos, ficando tecnologicamente mais ousado. Daniel foi convidado a desenvolver uma caixa-d'água de baixo custo e até mesmo partes de uma casa usando os pneus mesclados com vários outros materiais descartados.
 

Daniel passou a ser chamado por empresas que não sabiam o que fazer com materiais que iriam para o lixo. Só recentemente ele descobriu que essa atividade tinha um nome pomposo: consultor de resíduos sólidos. Mas seu projeto quer rodar mais longe -o plano é disseminar o aprendizado de reciclagem artística de pneus por todo o país, numa tentativa de reinventar a roda.

gdimen@uol.com.br


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