São Paulo, sábado, 07 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Para substituir a ficção de igualdade em 2006

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Decorre da Constituição que a igualdade de todos perante a lei é direito fundamental inviolável. Tenho como certa a dúvida sobre a correspondência entre o disposto no artigo 5º da Carta Magna e a realidade na qual vivemos: a igualdade não é direito praticado ou praticável; é fundamental, para uns poucos, mas violado para muitos. Nem tudo está perdido, porquanto há que ser reconhecida a série de direitos beneficiando a população em geral, desde 1988, quando a Constituição foi editada.
Servem os exemplos dos direitos do consumidor e a atribuição ao Ministério Público de defender interesses coletivos, cujo julgamento pode beneficiar até os não referidos diretamente. Mais a igualdade concreta, da maioria, ainda é um mito.
A noção geral, contida nessa nota pessimista, pode ser aprimorada se pusermos em questão a espécie de igualdade aqui tratada. Ronald Dworkin, no livro "A Virtude Soberana" ("Sovereign Virtue", Harvard University Press, publicado no Brasil pela Martins Fontes, 676 págs.) distingue sete alternativas teóricas. Refere o lugar da liberdade, discute a comunidade liberal e trata da igualdade propriamente dita, no bem-estar, na disponibilidade de recursos, na política, na vida boa e na capacidade (em sentido amplo) das pessoas.
Na segunda parte, na visão prática, trata de aspectos que, no Brasil, assumem cores de farsa, como se constata nas alternativas da saúde, da Previdência Social, do calote do poder público quanto a suas dívidas e de ver certas questões da Justiça serem decididas mais ou menos como se o resultado fosse uma espécie de cara ou coroa.
Transfiro ao leitor a síntese brevíssima das dez páginas de introdução nas quais Dworkin se propõe uma pergunta (e a resposta): "A igualdade é importante?" Responde que sim. A igualdade jurídica dá apenas uma parte da resposta. Para compatibilizar importância e realidade, a política pública e os governos devem garantir todos os cidadãos, sem os discriminar; devem ser sensíveis às opções feitas pela própria cidadania, sem lhe impor soluções. Muito embora o enunciado de Dworkin revele a existência de um sonhador (afinal, grandes projetos nasceram de sonhadores) vale a pena repassar algumas de suas idéias como um programa de vida.
Luiz Moreira, na apresentação da edição brasileira, faz a nota de que a igualdade é requisito universal, mas "deve relacionar-se com a liberdade e com as exigências factuais de uma sociedade concreta". Concretude apta a situar a desigualdade atual enquanto meio necessário para chegar a sua superação.
O ideal político-popular da igualdade tem mistérios que começam com a palavra "igual", cuja compreensão de alternativas se mede no exemplo, de mais igualdade de renda, não coincidente com igual felicidade para todos os seres. Há os que sonham com a igualdade distributiva. Em outro exemplo, quem pode interferir efetivamente na preservação do meio ambiente é, digamos, mais rico que aquele sem capacidade de interferência.
A igualdade efetiva, não apenas jurídica, avança no sentido da paz social. Caminhar para ela será dar um passo à frente no processo igualitário destes últimos 50 anos. Com ela afastaremos a ficção de igualdade no direito para a substituir por suas formas conhecidas de igualdade da vida. Esta não significa a pretensão de fazer, de todos, pessoas absolutamente iguais em direitos e obrigações. Trata-se de ideal impossível de atingir. Significa, porém, a diminuição da distância entre os mais e os menos, entre os que têm e os que não têm. É a busca do possível, inconfundível com a ficção atual.


Texto Anterior: Terror na Linha 350: Confusão foi porque menina mentiu, afirma inspetora
Próximo Texto: Livros Jurídicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.