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LETRAS JURÍDICAS
Para substituir a ficção de igualdade em 2006
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Decorre da Constituição
que a igualdade de todos perante a lei é direito fundamental
inviolável. Tenho como certa a
dúvida sobre a correspondência
entre o disposto no artigo 5º da
Carta Magna e a realidade na
qual vivemos: a igualdade não é
direito praticado ou praticável; é
fundamental, para uns poucos,
mas violado para muitos. Nem
tudo está perdido, porquanto há
que ser reconhecida a série de direitos beneficiando a população
em geral, desde 1988, quando a
Constituição foi editada.
Servem os exemplos dos direitos
do consumidor e a atribuição ao
Ministério Público de defender
interesses coletivos, cujo julgamento pode beneficiar até os não
referidos diretamente. Mais a
igualdade concreta, da maioria,
ainda é um mito.
A noção geral, contida nessa
nota pessimista, pode ser aprimorada se pusermos em questão a
espécie de igualdade aqui tratada. Ronald Dworkin, no livro "A
Virtude Soberana" ("Sovereign
Virtue", Harvard University
Press, publicado no Brasil pela
Martins Fontes, 676 págs.) distingue sete alternativas teóricas. Refere o lugar da liberdade, discute
a comunidade liberal e trata da
igualdade propriamente dita, no
bem-estar, na disponibilidade de
recursos, na política, na vida boa
e na capacidade (em sentido amplo) das pessoas.
Na segunda parte, na visão prática, trata de aspectos que, no
Brasil, assumem cores de farsa,
como se constata nas alternativas
da saúde, da Previdência Social,
do calote do poder público quanto a suas dívidas e de ver certas
questões da Justiça serem decididas mais ou menos como se o resultado fosse uma espécie de cara
ou coroa.
Transfiro ao leitor a síntese brevíssima das dez páginas de introdução nas quais Dworkin se propõe uma pergunta (e a resposta):
"A igualdade é importante?" Responde que sim. A igualdade jurídica dá apenas uma parte da resposta. Para compatibilizar importância e realidade, a política
pública e os governos devem garantir todos os cidadãos, sem os
discriminar; devem ser sensíveis
às opções feitas pela própria cidadania, sem lhe impor soluções.
Muito embora o enunciado de
Dworkin revele a existência de
um sonhador (afinal, grandes
projetos nasceram de sonhadores) vale a pena repassar algumas
de suas idéias como um programa de vida.
Luiz Moreira, na apresentação
da edição brasileira, faz a nota de
que a igualdade é requisito universal, mas "deve relacionar-se
com a liberdade e com as exigências factuais de uma sociedade
concreta". Concretude apta a situar a desigualdade atual enquanto meio necessário para chegar a sua superação.
O ideal político-popular da
igualdade tem mistérios que começam com a palavra "igual",
cuja compreensão de alternativas
se mede no exemplo, de mais
igualdade de renda, não coincidente com igual felicidade para
todos os seres. Há os que sonham
com a igualdade distributiva. Em
outro exemplo, quem pode interferir efetivamente na preservação
do meio ambiente é, digamos,
mais rico que aquele sem capacidade de interferência.
A igualdade efetiva, não apenas
jurídica, avança no sentido da
paz social. Caminhar para ela será dar um passo à frente no processo igualitário destes últimos 50
anos. Com ela afastaremos a ficção de igualdade no direito para
a substituir por suas formas conhecidas de igualdade da vida.
Esta não significa a pretensão de
fazer, de todos, pessoas absolutamente iguais em direitos e obrigações. Trata-se de ideal impossível
de atingir. Significa, porém, a diminuição da distância entre os
mais e os menos, entre os que têm
e os que não têm. É a busca do
possível, inconfundível com a ficção atual.
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