São Paulo, segunda-feira, 07 de janeiro de 2008

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MOACYR SCLIAR

Confissões do Ano Novo


Meu pai não hesitou: registrou-me como Ano Novo. O homem do cartório ainda perguntou se papai estava brincando

 Há 5.659 chineses que se chamam "Ano Novo" ("Yuandan", em mandarim), segundo as estatísticas do Ministério de Segurança Pública chinês. Deles, 1.735 nasceram exatamente no dia 1º de janeiro, data de aniversário de 5,54 milhões de moradores do gigante asiático, de acordo com as mesmas estatísticas, citadas pelo jornal "Beijing Evening News". Folha Online

CHAMO-ME ANO NOVO. Não, não estou brincando, este é meu nome verdadeiro, Ano Novo da Silva. Por que me chamo assim?
Bem, meu pai, antigo comunista, sempre admirou a linha chinesa e ficou encantado quando descobriu que, lá, Ano Novo é um nome relativamente comum. Pouco depois eu nascia, e, por coincidência, exatamente no dia 1 de janeiro.
Meu pai não hesitou: registrou-me como Ano Novo. O homem do cartório ainda perguntou se aquele era o nome de fato ou se papai estava brincando.
Meu pai ficou furioso, disse que a primeira coisa que o comunismo faria quando chegasse ao Brasil era acabar com os cartórios e insistiu: seu filho se chamaria Ano Novo. O cara achou melhor não comprar aquela briga. Fez o registro, e Ano Novo eu fiquei.
Se as pessoas não estranham esse nome? Claro que estranham. Todos os dias tenho de explicar a alguém porque me chamo assim. Nomes estranhos não faltam no Brasil, um país que tem o Agrícola Beterraba Areia, o Um Dois Três de Oliveira Quatro, o Um Mesmo de Almeida; mas Ano Novo, pelo jeito, bate todos os recordes.
Não adianta a origem chinesa do nome, não adianta a China ser uma grande potência crescendo mais de 10% ao ano, não adianta os produtos chineses estarem em toda a parte. Eu sou o Ano Novo brasileiro, não chinês. Na China o nome é comum. Aqui é exceção.
Tenho sonhos. Um dos meus sonhos é viajar para a China e lá encontrar os meus companheiros de nome, os Ano Novo chineses, os Yuandan, como se diz em mandarim. Atualmente eles são mais de 5 mil. Mais de 5 mil, já imaginaram? E já imaginaram a festa que vão fazer quando receberem o colega de nome, o Ano Novo brasileiro?
Mas não vamos ficar só na festa, não. Vamos partir para ações concretas. Vou propor a eles que formemos o Grupo Ano Novo. Vamos nos unir, vamos criar uma organização industrial e comercial, com sede na China, filial no Brasil e em todos os países onde houver alguém chamado Ano Novo (e deve haver muita gente com esse nome pelo mundo afora). Vamos patentear nosso nome, vamos criar produtos chamados Ano Novo: ursinho Ano Novo, carrinho Ano Novo, telefone Ano Novo. E ai daqueles que nos piratearem.
O outro sonho é mais modesto. O outro sonho nem sequer exige que eu saia do Brasil. Tenho a esperança de encontrar aqui, neste país em que, como eu disse, não faltam nomes estranhos, alguém chamado Ano Velho. Ano Velho Pereira, por exemplo. Deste Ano Velho eu debocharei à vontade.
Todas as brincadeiras sem graça que fizeram comigo eu farei com ele. Porque este consolo eu tenho: mesmo envelhecendo, mesmo ficando um ancião gagá, continuarei sendo o Ano Novo.
Cheio de esperanças, cheio de promessas de coisas boas. Feliz Ano Novo, digo a mim próprio. Acreditem ou não, eu até que sou feliz.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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