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MOACYR SCLIAR
Confissões do Ano Novo
Meu pai não hesitou: registrou-me como Ano Novo. O homem do cartório ainda perguntou se papai estava brincando
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Há 5.659 chineses que se chamam "Ano Novo" ("Yuandan", em mandarim), segundo as estatísticas do Ministério de
Segurança Pública chinês. Deles, 1.735 nasceram exatamente no dia 1º de janeiro, data de aniversário de 5,54 milhões de moradores do gigante asiático, de acordo com as mesmas estatísticas, citadas pelo jornal "Beijing Evening News". Folha Online
CHAMO-ME ANO NOVO. Não, não
estou brincando, este é meu
nome verdadeiro, Ano Novo
da Silva. Por que me chamo assim?
Bem, meu pai, antigo comunista,
sempre admirou a linha chinesa e ficou encantado quando descobriu
que, lá, Ano Novo é um nome relativamente comum. Pouco depois eu
nascia, e, por coincidência, exatamente no dia 1 de janeiro.
Meu pai não hesitou: registrou-me como Ano Novo. O homem do
cartório ainda perguntou se aquele
era o nome de fato ou se papai estava
brincando.
Meu pai ficou furioso, disse que a
primeira coisa que o comunismo faria quando chegasse ao Brasil era
acabar com os cartórios e insistiu:
seu filho se chamaria Ano Novo. O
cara achou melhor não comprar
aquela briga. Fez o registro, e Ano
Novo eu fiquei.
Se as pessoas não estranham esse
nome? Claro que estranham. Todos
os dias tenho de explicar a alguém
porque me chamo assim. Nomes estranhos não faltam no Brasil, um
país que tem o Agrícola Beterraba
Areia, o Um Dois Três de Oliveira
Quatro, o Um Mesmo de Almeida;
mas Ano Novo, pelo jeito, bate todos
os recordes.
Não adianta a origem chinesa do
nome, não adianta a China ser uma
grande potência crescendo mais de
10% ao ano, não adianta os produtos
chineses estarem em toda a parte.
Eu sou o Ano Novo brasileiro, não
chinês. Na China o nome é comum.
Aqui é exceção.
Tenho sonhos. Um dos meus sonhos é viajar para a China e lá encontrar os meus companheiros de
nome, os Ano Novo chineses, os
Yuandan, como se diz em mandarim. Atualmente eles são mais de 5
mil. Mais de 5 mil, já imaginaram? E
já imaginaram a festa que vão fazer
quando receberem o colega de nome, o Ano Novo brasileiro?
Mas não vamos ficar só na festa,
não. Vamos partir para ações concretas. Vou propor a eles que formemos o Grupo Ano Novo. Vamos nos
unir, vamos criar uma organização
industrial e comercial, com sede na
China, filial no Brasil e em todos os
países onde houver alguém chamado Ano Novo (e deve haver muita
gente com esse nome pelo mundo
afora). Vamos patentear nosso nome, vamos criar produtos chamados
Ano Novo: ursinho Ano Novo, carrinho Ano Novo, telefone Ano Novo.
E ai daqueles que nos piratearem.
O outro sonho é mais modesto. O
outro sonho nem sequer exige que
eu saia do Brasil. Tenho a esperança
de encontrar aqui, neste país em
que, como eu disse, não faltam nomes estranhos, alguém chamado
Ano Velho. Ano Velho Pereira, por
exemplo. Deste Ano Velho eu debocharei à vontade.
Todas as brincadeiras sem graça
que fizeram comigo eu farei com ele.
Porque este consolo eu tenho: mesmo envelhecendo, mesmo ficando
um ancião gagá, continuarei sendo o
Ano Novo.
Cheio de esperanças, cheio de
promessas de coisas boas. Feliz Ano
Novo, digo a mim próprio. Acreditem ou não, eu até que sou feliz.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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