São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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Dor é consenso, mas prejuízo gerado pelas LER/Dort continua indefinido

DA REPORTAGEM LOCAL

Todos concordam que suas manifestações são dolorosas e que muitas das suas vítimas precisam se afastar do trabalho. Mas não há consenso quando se tenta classificá-la como uma doença ou síndrome nem quando se quer quantificar as perdas que provoca para o país.
Talvez por isso mesmo o "mal" precise ser identificado por uma combinação de duas siglas, LER/ Dort -lesões por esforço repetitivo e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho. Para muitas de suas vítimas, o diagnóstico de LER/Dort pode significar o final de uma vida profissional e a sensação de incapacidade.
A síndrome afeta principalmente pessoas que fazem esforços repetitivos, como os digitadores e bancários, por exemplo. Mas aparece também naqueles que desempenham outras tarefas, mas estão sob constante estresse no trabalho ou em períodos de grande turbulência emocional.
Maria José O'Neill, presidente do Instituto Nacional de Prevenção às LER/Dort, diz que um quarto dos trabalhadores do Banco do Brasil padece desse mal. Segundo ela, especialistas estimam que, entre doenças e acidentes de trabalho, os empresários perdem R$ 20 bilhões, e o governo, R$ 12 bilhões ao ano, a maior parte por conta das LER/Dort. Ela cita uma pesquisa Datafolha/Ministério da Saúde que encontrou 310 mil trabalhadores com LER/Dort em São Paulo, ocupando o segundo posto entre os afastamentos.
O'Neill participou do debate promovido pela Folha na segunda-feira sobre como tratar e prevenir essa doença. O reumatologista José Knoplich -também participante- contra-atacou com a pesquisa de uma revista nacional onde a primeira queixa dos entrevistados era a cefaléia, seguida de lombalgia. "A LER/Dort nem foi citada", disse Knoplich.
"Não haverá entendimento enquanto o social e a qualidade de vida do trabalhador estiverem de um lado e a economia financeira de outro", diz a médica Maria Maedo, coordenadora do Cerest (Centro de Referência para a Saúde do Trabalhador do Estado).
O debate terminou com uma conclusão: os pacientes de fato são discriminados e convivem com dor intensa. Falta saber a origem dessa dor, a melhor forma de preveni-la e como tratá-la.
Para Knoplich, não são apenas os movimentos repetitivos que provocam a doença, mas uma série de fatores. "Se afastarem esse trabalhador, ele não deixará de sentir dor", diz. "Ficará pior, porque se sentirá incapaz e discriminado. É preciso saber quais as razões psicossociais que estão provocando a dor, por isso o tratamento deve ser multidisciplinar. Para muitos pacientes, um antidepressivo será a solução."
Knoplich classifica os números citados como um "absurdo epidemiológico". "Um atestado de LER/Dort garante a aposentadoria e até a quitação da casa própria. Nem doentes de câncer tem todos esses privilégios."
Maedo, que tem contato direto com trabalhadores e médicos do trabalho, diz que as LER/Dort não vêm sendo tratadas com a seriedade necessária. "A cidadania ainda não chegou à maioria das fábricas e locais de trabalho", diz. Para ela, o que conta é a pressão por maior produção, menores intervalos e cobrança mais rigorosa. "Diante da crise, o trabalhador tem medo de dizer que está doente. Segundo a Organização Mundial do Trabalho, apenas um quarto das doenças ocupacionais é revelada pelo trabalhador."
Daniel Feldman, professor de reumatologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que a LER não existe como doença. "É um termo que abarca uma série de lesões causadas por movimentos repetitivos. Todas essas lesões podem ser pioradas pelo ambiente de trabalho, mas LER não é uma doença. Há médicos que entram nesse engodo. Para mim, o fato é que o paciente tem dor e precisa ser tratado, pouco importa se a dor foi provocada na fábrica ou em casa."
José Erivalder Guimarães, médico do trabalho e presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, afirma, ao contrário de Knoplich, que há "um exagero de subnotificação, não um exagero epidemiológico" no país.
A resposta, segundo Erivalder, são investimentos no estudo e na prevenção dessa síndrome. Ele cita uma metalúrgica do ABC onde os doentes de LER/Dort são separados dos trabalhadores sadios. "É uma humilhação que não pode continuar. Achar que um trabalhador está simulando uma LER/ Dort é um absurdo inconcebível."



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