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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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AMBIENTE

Ter área verde perto, sonho de muito paulistano, não é prioridade de famílias que vivem em áreas invadidas e sem estrutura

"Depois que derrubaram a mata, melhorou"

DA REPORTAGEM LOCAL

Para quem não tem emprego, onde morar, água encanada, luz elétrica, coleta de esgoto, escola para os filhos nem posto de saúde, a floresta é um luxo com o qual não se convive. São as árvores ou a única oportunidade de ter um teto e uma vida menos miserável.
"Quando cheguei aqui, há dez anos, dava para contar as casas nos dedos. Era tudo verde. Era bem bonito, mas a luz vinha de gato [ligação ilegal], a gente pegava água de poço, não tinha nada. Depois derrubaram tudo e melhorou. Hoje tenho energia, água encanada. Só o esgoto não tratam, mas a gente joga no córrego", conta Maria D'Ajuda de Oliveira, 29, desempregada, dois filhos.
Ela foi uma das primeiras moradoras do Jardim Paraná, um dos loteamentos clandestinos mais recentes de Brasilândia (zona norte de SP), aberto no começo dos anos 90. As ruas, casas e barracos invadiram uma boa parte da serra da Cantareira, chegando à fronteira com o parque estadual.
"Daqui em diante, não pode mais avançar porque é área protegida", diz Josivaldo de Lima Santos, 29. "Sei que não é bom desmatar porque fica mais fácil ter desabamento. Mas aqui nunca aconteceu isso, não. E também são as árvores ou a gente", diz. Santos mora com a mulher e três filhos em uma encosta do bairro. O casal está desempregado.
Na beira do córrego que separa o Jardim Paraná do parque da Cantareira, Silvana Rodrigues de Faria, 20, uma das mais novas moradoras do loteamento, reclama da mata. "Tenho medo", diz. A vista verde é o sonho de consumo de muita gente que tem a varanda do vizinho como horizonte.
No meio da floresta está um dos poucos locais de lazer das crianças: o que restou da primeira captação de água da Cantareira.
No outro extremo da cidade, na Chácara Bananal (Jardim Ângela, zona sul), as crianças brincam nos tocos que restaram das árvores queimadas para dar lugar a barracos como o da família de Cláudio Alves, 31, e Maria Aparecida da Silva, 30, que vivem numa encosta há quatro meses, com três filhos.
Embaixo do barranco está a rua da Mina, onde havia uma fonte de água potável, hoje contaminada por causa do esgoto jogado em fossas malfeitas. Mas é da água poluída mesmo que todos se servem, porque o poder público não pode levar infra-estrutura ao bairro, que fica na área de mananciais da represa Guarapiranga.
"E eles continuam queimando as árvores para construir mais casas porque ninguém tem dinheiro para pagar aluguel", afirma Alves. (MARIANA VIVEIROS)


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