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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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POLUIÇÃO NUTRITIVA

Últimos pescadores da represa dizem que a redução do esgoto provocou escassez de peixes

Água mais limpa "mata" pesca na Billings

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

O dia nem raiou quando Antônio Lopes, 73, veste a touca, o agasalho, calça as botas de borracha e sobe no barco para mais um dia de pesca. O vira-lata Talti pula no barco e os dois partem. Aos poucos, o sol vai clareando o vasto espelho d"água e a mata ao redor. Ele desarma a rede. Se for um dia de sorte, conseguirá uns 5 kg. Muitas vezes, porém, a rede sobe vazia: os peixes da represa Billings estão sumindo.
O fenômeno já provocou uma mudança socioeconômica na região. Há 10 anos, quando a cada dia eram pescadas 25 toneladas de tilápias, lambaris, carpas e outros, mais de 500 pescadores viviam ao redor da Billings. Cerca de 50 se concentravam em uma vila, em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo).
Hoje, essa última vila de pescadores da Grande São Paulo tem menos de 10 integrantes, entre os quais Antônio Lopes -ou seu Antônio, como é conhecido.
A comunidade tem uma explicação inusitada para o sumiço dos peixes: isso ocorreu, segundo eles, porque a represa está mais limpa. Em 1993, a água do rio Pinheiros parou de ser bombeada para a Billings, o que diminuiu o volume de esgoto despejado. Isso também significou, porém, a redução na quantidade de nutrientes para os peixes.
"Claro que a gente não quer que suje de novo. Mas a quantidade de peixe diminuiu", afirma Maria Lúcia da Silva, 50, que mora na vila há 20 anos.
A percepção popular está correta, de acordo com Carlos Bocuhy, coordenador da Campanha Billings, Eu Te Quero Viva.
Não há estudos científicos que comprovem a relação entre a diminuição dos peixes e a melhor qualidade da água na Billings. Mas, segundo o ambientalista, é possível concluir que isso esteja ocorrendo, pois a a concentração de esgoto só mata os peixes ao provocar a eutroficação -proliferação de algas e outros organismos que "roubam" o oxigênio da água.
Antes de chegar a esse ponto, porém, o esgoto constitui um "banquete" para os cardumes.
Para Bocuhy, a alta oferta de peixes no local representava um desequilíbrio ecológico. "A mudança pode ser qualificada como uma retomada do equilíbrio", diz o ambientalista.
O ideal, segundo Bocuhy, seria repovoar a represa com espécies adequadas à quantidade e à qualidade de nutrientes disponíveis. "Falta uma política pública para desenvolver na represa sua grande vocação, que são atividades de lazer e pesca. Essa seria a grande saída para garantir a preservação da Billings", afirma.
Um projeto nesse sentido está sendo desenvolvido atualmente pela Prefeitura de São Bernardo. De acordo com Sônia Lima, diretora de meio ambiente da prefeitura, o projeto consiste na retomada da atividade pesqueira por meio de tanques-rede, para uma produção em grande escala e com controle de qualidade.
Não raro, ao recolher a rede vazia, seu Antônio pensa em desistir e ir morar com um dos filhos em Guaianazes (zona leste de São Paulo). Mas, por enquanto, adia a partida. "Não quero ficar sentado na beira de uma rua. Quero ficar na beira d'água."


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