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DANUZA LEÃO
Momentos
São coisas bobas e boas que nos acontecem e que não notamos; se notássemos, poderíamos ser mais felizes
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OUTRO DIA, depois do almoço,
estava eu em casa, deitada
num sofá, sem fazer nada. Liguei a TV bem baixinho, só por vício,
e meus gatos, que não me largam um
minuto, vieram e se instalaram pertinho de mim: Jujuba com a cabeça
deitada na minha perna, Haroldo na
barriga dela, os dois dormindo.
Era um momento de tal paz, que
pensei: "ah, que momento bom estou vivendo".
E pensei que durante os dias, todos os dias, se vive momentos bons,
só que não nos damos conta porque
não prestamos atenção.
Às vezes eu saio da ginástica e passo pela barraca da feira onde costumo comprar frutas, mas estou sem
dinheiro, e o feirante, depois de dizer que eu posso pagar depois, insiste: "leva três mangas, estão doces como mel". Corta uma fatia com uma
faca bem amoladinha e me dá para
provar. Não é maravilhoso? E quando eu digo que só vou levar uma,
porque moro sozinha, e ele diz "mora sozinha porque quer", não dá
vontade de dar uma boa risada? E
não é para achar que a vida é boa?
Quando chego de viagem cansada,
entro em casa e está tudo em ordem:
a cama arrumada, os lençóis limpos,
a geladeira com as coisas que gosto;
aí tomo um bom chuveiro e me jogo
na cama, sem um telefonema para
dar, tem alguma coisa melhor?
Acordar, abrir a janela e ver que
está um dia lindo, de sol e céu azul é
uma alegria; mas quando o tempo
está cinza e chovendo também pode
ser muito bom; bom para ficar em
casa, botar uma meia de lã, um suéter velho e ficar bem quietinha, lendo um livro. Não é também glorioso? Todos esses momentos são especiais, mas é preciso prestar atenção; são muitos por dia, nenhum deles têm grande importância, são
apenas momentos, e a maior parte
das vezes a gente nem percebe; mas
não é deles que a vida é feita?
Aprendi, não sei como, a captar
muitos desses momentos; é sempre
inesquecível, a chegada a uma cidade que não conheço e onde não conheço ninguém, onde tudo é novo, e
se eu nem sei falar a língua, melhor
ainda. É o desconhecido, que pode
amedrontar ou ser fascinante -e
por que não escolher o fascínio?
E tem aquela hora em que, na sexta-feira, você terminou todos os trabalhos, fecha o computador com a
sensação do dever cumprido, e aí
também não tem nada melhor. E
quando você vai à praia cedinho, se
deita na areia e sente aquele sol ainda morno no seu corpo, e pouco a
pouco ele vai esquentando? Aí você
entra no mar, dá um belo mergulho,
e volta com um pouquinho de frio e
apanha mais um pouquinho de sol,
tem melhor? E o chuveiro que você
toma quando chega em casa e sai do
banheiro enrolada numa toalha,
cheirosa do sabonete e do shampoo,
tem alguma coisa tão boa? Não há
um dia em que eu saia para caminhar na Lagoa que não pense em como a paisagem é linda, como é bom
estar em boa saúde e poder andar
bem depressa, que quando chegar
em casa vou tomar um banho de banheira para relaxar e não tenho nenhum compromisso para a noite, isso não é felicidade pura?
São tantas coisas bobas e boas que
nos acontecem e que não notamos, e
que se notássemos poderíamos ser
bem mais felizes. Mas uma coisa me
deixa curiosa: todas as lembranças
que tenho desses bons momentos,
momentos inesquecíveis em que
não aconteceu nada de extraordinário, eu estava só. Claro que houve
outros, de amor, amizade ou paixão
que foram maravilhosos, mas dos
que eu me lembre mesmo, eu estava
só. O que será que isso quer dizer?
Que não precisamos dos outros para
sermos felizes? Que dependendo de
como somos podemos ter momentos de grande felicidade que não dependem de ninguém, como costumamos pensar? Desconfio que sim,
e só sei que a vida, acredite, é muito
simples e muito boa.
danuza.leao@uol.com.br
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