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Viver sem muros é menos perigoso, dizem especialistas
Pesquisa realizada pela PM do Paraná mostra que 71% dos
assaltantes preferem agir em casas com muros de 2 metros
Para arquitetos, os muros
que cercam casas, em vez de
proteger quem está do lado
de dentro, acabam isolando
moradores e invasores
GUSTAVO FIORATTI
DA REVISTA DA FOLHA
Se fosse escrita hoje a história dos três porquinhos, o lobo
usaria pistola, nada de fôlego.
Com estratégia (e munição) entraria na casa de tijolos. A fábula do século 19 se mantém atual
ao dar a medida de como o crime supera recursos feitos para
combatê-lo. Primeiro a palha,
depois a madeira, seguido da alvenaria. A tecnologia não faz
sucesso, senão imediato.
"As cidades estão cheias de
desconhecidos", diz a urbanista
norte-americana Jane Jacobs
em seu livro "Morte e Vida de
Grandes Cidades", um estudo
sobre os principais problemas
urbanos no mundo. A frase dá a
pista. Quem ergue um muro
diante de casa quer paz. Mas os
bairros de São Paulo estão
cheios de exemplos que desmontam a idéia. Casas muradas
também são assaltadas.
Para urbanistas e arquitetos,
os muros que cercam casas e
prédios, em especial os voltados para a calçada, têm contradições. Em vez de proteger
quem está do lado de dentro,
dizem, eles isolam os moradores -e até os invasores.
Uma pesquisa recente da Polícia Militar do Paraná indica
que assaltantes preferem agir
em casas com muros. O levantamento feito em Curitiba
mostra que 60% das casas assaltadas eram cercadas por paredes e 25%, por grades. A minoria delas, 15%, era aberta para a rua. Os relatos dos detentos
revelam que 71% preferem assaltar casas com muros de até 2
metros, e 54% dizem que muros ocultam melhor a ação.
"Há casos de assaltantes que
passam todo o fim de semana lá
dentro, fazendo os donos da casa de reféns", diz o coronel Roberson Luiz Bondaruk,45, autor da pesquisa.
Em São Paulo, em média, há
dois arrastões em condomínios
de luxo por mês, diz a 2ª Delegacia de Investigação de Crimes Patrimoniais e o Secovi
(sindicato da habitação).
Para a urbanista Regina Meyer, os muros "são perniciosos,
pois você não enxerga a rua de
casa e os passantes não te enxergam. A rua perde sua função
de lugar de encontro e, vazias,
se tornam perigosas".
Jacobs completa a idéia em
seu livro: "Não é preciso haver
muitos casos de violência num
distrito para que as pessoas temam as ruas. E, quando as temem, as pessoas usam menos
as ruas, o que as torna ainda
mais inseguras".
Jardim dos encarcerados
Algumas famílias que não temem (tanto) as ruas de São
Paulo toparam mostrar as casas. Foram poucos os problemas de assaltos, apesar de viverem em casas sem grades -no
máximo, portões baixos.
Das 15 casas consultadas, só
duas foram invadidas. "Foi tudo muito rápido", conta Rodrigo Odilon Guedes Mesquita,
83, que vive em Pinheiros (zona
oeste). "O ladrão saiu correndo,
porque, de dentro de casa, sentiu-se vigiado por quem estava
na rua. E ele não levou nada."
Os "sem-muro" orgulham-se
da exposição. A psicanalista Leda Maria Silva Teixeira, 57, diz
não se sentir insegura sem eles.
"Tenho a impressão de que a
casa é mais ampla, pela ausência de muros". O sobrado onde
mora há 17 anos na Vila Beatriz,
na zona oeste de São Paulo,
nunca foi invadido.
Em outro sobrado, na Vila
Nova Conceição (zona sul), a
professora de alemão Regina
Ronca, 60, diz que pai, Murillo,
90, que mora com ela, "chama o
bairro de "jardim dos encarcerados"." Uma volta na vizinhança explica o apelido.
O único problema de viver
em casa sem muros, e quem
aponta é o pai, Murillo , "é que
um engraçadinho deu para roubar o jornal do jardim".
Leia mais relatos em
www.uol.com.br/revista
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