São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Viver sem muros é menos perigoso, dizem especialistas

Pesquisa realizada pela PM do Paraná mostra que 71% dos assaltantes preferem agir em casas com muros de 2 metros

Para arquitetos, os muros que cercam casas, em vez de proteger quem está do lado de dentro, acabam isolando moradores e invasores

GUSTAVO FIORATTI
DA REVISTA DA FOLHA

Se fosse escrita hoje a história dos três porquinhos, o lobo usaria pistola, nada de fôlego. Com estratégia (e munição) entraria na casa de tijolos. A fábula do século 19 se mantém atual ao dar a medida de como o crime supera recursos feitos para combatê-lo. Primeiro a palha, depois a madeira, seguido da alvenaria. A tecnologia não faz sucesso, senão imediato.
"As cidades estão cheias de desconhecidos", diz a urbanista norte-americana Jane Jacobs em seu livro "Morte e Vida de Grandes Cidades", um estudo sobre os principais problemas urbanos no mundo. A frase dá a pista. Quem ergue um muro diante de casa quer paz. Mas os bairros de São Paulo estão cheios de exemplos que desmontam a idéia. Casas muradas também são assaltadas.
Para urbanistas e arquitetos, os muros que cercam casas e prédios, em especial os voltados para a calçada, têm contradições. Em vez de proteger quem está do lado de dentro, dizem, eles isolam os moradores -e até os invasores.
Uma pesquisa recente da Polícia Militar do Paraná indica que assaltantes preferem agir em casas com muros. O levantamento feito em Curitiba mostra que 60% das casas assaltadas eram cercadas por paredes e 25%, por grades. A minoria delas, 15%, era aberta para a rua. Os relatos dos detentos revelam que 71% preferem assaltar casas com muros de até 2 metros, e 54% dizem que muros ocultam melhor a ação.
"Há casos de assaltantes que passam todo o fim de semana lá dentro, fazendo os donos da casa de reféns", diz o coronel Roberson Luiz Bondaruk,45, autor da pesquisa.
Em São Paulo, em média, há dois arrastões em condomínios de luxo por mês, diz a 2ª Delegacia de Investigação de Crimes Patrimoniais e o Secovi (sindicato da habitação).
Para a urbanista Regina Meyer, os muros "são perniciosos, pois você não enxerga a rua de casa e os passantes não te enxergam. A rua perde sua função de lugar de encontro e, vazias, se tornam perigosas".
Jacobs completa a idéia em seu livro: "Não é preciso haver muitos casos de violência num distrito para que as pessoas temam as ruas. E, quando as temem, as pessoas usam menos as ruas, o que as torna ainda mais inseguras".

Jardim dos encarcerados
Algumas famílias que não temem (tanto) as ruas de São Paulo toparam mostrar as casas. Foram poucos os problemas de assaltos, apesar de viverem em casas sem grades -no máximo, portões baixos.
Das 15 casas consultadas, só duas foram invadidas. "Foi tudo muito rápido", conta Rodrigo Odilon Guedes Mesquita, 83, que vive em Pinheiros (zona oeste). "O ladrão saiu correndo, porque, de dentro de casa, sentiu-se vigiado por quem estava na rua. E ele não levou nada."
Os "sem-muro" orgulham-se da exposição. A psicanalista Leda Maria Silva Teixeira, 57, diz não se sentir insegura sem eles. "Tenho a impressão de que a casa é mais ampla, pela ausência de muros". O sobrado onde mora há 17 anos na Vila Beatriz, na zona oeste de São Paulo, nunca foi invadido.
Em outro sobrado, na Vila Nova Conceição (zona sul), a professora de alemão Regina Ronca, 60, diz que pai, Murillo, 90, que mora com ela, "chama o bairro de "jardim dos encarcerados"." Uma volta na vizinhança explica o apelido.
O único problema de viver em casa sem muros, e quem aponta é o pai, Murillo , "é que um engraçadinho deu para roubar o jornal do jardim".
Leia mais relatos em www.uol.com.br/revista


Texto Anterior: Alto preço da mensalidade afugenta alunos
Próximo Texto: Donos de casas tiveram receio com reportagem
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.