São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CECILIA GIANNETTI

Depois das eleições


Talvez tudo que deu errado na cidade do Rio tenha ido longe, longe demais para ser solucionado

SOLITÉDIO NESTE cinzento e alterado Rio de chuvas murrinhas, mais a perspectiva de um segundo turno de eleições para prefeito que, sem qualquer exagero de minha parte, acredite, pode fazer de mim a nova pata migratória da turma de cariocas que, como você, amigo, se mandaram daqui -e, em sua maioria, aterrissaram em SP. Me chame de infantil, me xingue de pessimista, mas desce como a chuva a sensação clara de que, eleito à prefeitura aquele a quem recusei terminantemente meu voto, serei por ele expulsa da cidade, banida. Não porque o homem, este que talvez ganhe o cargo de zelador do zoológico da cidade do Rio de Janeiro, tenha em seu escritório uma foto de meu rosto, que faça as vezes de alvo para seus dardos.
Ele não sabe quem eu sou, desconhece minha existência, não há intuito de vingança e perseguição contra mim no cerne de sua candidatura. Ele não sabe quem é o carioca, desconhece a existência do povo que vai herdar, como um rei falido, e, não obstante, sua vingança cairá sobre esse povo como se tivéssemos matado seu pai e jantado seu cachorrinho de estimação. Seu mandato será sua vingança pela deprimente sina de ter nascido com Q.I. beirando os 60 pontos. Ora, estou soando um tanto "obnoxious", como diriam os gringos? É que a frieza agora me escapa, dá lugar a uma certa angústia da espera, ao suspense que vai durar até que se contabilizem os últimos votos do segundo turno das eleições para prefeito do Rio. O que aguardarei de malas feitas.
Amigos-cariocas-exilados: abram o sofá-cama da sala, tirem do armário a cachaça comprada na visita a Paraty, é possível: eu tô chegando.
E se em São Paulo as urnas também apontarem um futuro nebuloso e lamacento? Já me dói especular sobre o que elas guardam para este balneário. Coloco agora a sua Babel em meu rol de adivinhações. Mas meus poderes "psicopercepnóicos" funcionam melhor quando concentrados numa só causa perdida.
Nestas eleições tenho pouco otimismo a espalhar. Talvez porque tudo que deu errado na cidade do Rio tenha ido longe, longe demais para ser solucionado agora por um ou outro candidato. Eu realmente estou soando pessimista, não? Realista?
A pessoa que faz as malas com o intuito de abandonar uma cidade deixa-a com uma dose cavalar de pessimismo e culpa e acaba chegando ao novo destino com dose extra de otimismo. Por contraste de expectativas, o futuro na nova cidade parece mais brilhante. Esperança é feito purpurina. E nisso espero ter alguma razão, além do sonho puro. Paixão há. Por cidades diferentes há.
PS: madrugada de domingo para segunda, a candidata a vereadora Clarissa Garotinho, 20 e poucos anos, acaba de chegar com animada equipe ao meu boteco (o que uso como escritório no bairro do Flamengo). Clarissa Garotinho, ou Matheus -como os pais, são como uma monarquia, governadora e ex-governador do Rio, Rosinha e Anthony- chega ao bar para celebrar sua vitória. Mas, ei! Não são todos crentes nessa linhagem familiar? Boteco? Cerveja? Cigarro? Hein?!
Clarissa Garotinho aparenta 15 anos. Estaciona à porta do bar um carro de campanha cor-de-rosa-choque. Amigos e assistentes e divulgadores vestem camisetas cor-de-rosa-choque. Conhece os garçons, seus nomes e vice-versa. Todos se saúdam com grande alegria. O bar inteiro votou nela. Mas é apenas vereadora. Apenas. Por enquanto. Chamo o táxi.


Texto Anterior: Solo frágil causou trincas, diz engenheiro
Próximo Texto: Consumo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.